Seis razões que podem fazer destas as piores eleições de nossa história
Leonardo
Sakamoto
Nunca se discutiu tanta política no Brasil, então estas
eleições municipais têm tudo para serem as melhores de nossa história, correto?
Errado.
Apesar de pipocarem novas candidaturas trazendo outras
vozes à arena pública e de termos avançado na contenção do financiamento
empresarial de campanha, a inexistência de uma reforma política mais ampla
mantém os problemas de nosso sistema – agravados por uma crise crônica de
representatividade e pela grande quantidade de informação de baixa qualidade
circulando e formando opinião.
Por isso, enumerei seis razões que podem fazer destas
as piores eleições do país. A previsão catastrofista pode ser revertida,
contudo, a depender da qualidade do debate público, do nível de participação
social e do monitoramento do processo por parte da imprensa, tradicional e
independente.
1)
Democracia capenga – Candidatos como Marcelo Freixo e Luiza
Erundina, ambos do PSOL, e Ricardo Young, da Rede, estão sob risco de ficar de
fora de debates na TV. Culpa da minirreforma eleitoral organizada por Eduardo
Cunha, mas também pela covardia de Flávio Bolsonaro, Índio da Costa e Pedro
Paulo, no Rio, e João Dória, Major Olímpio e Marta Suplicy, em São Paulo, que,
questionados sobre essa participação, chegaram a vetar concorrentes e não
aceitaram debater com eles. Freixo e Erundina estão entre os primeiros
colocados de ambas as cidades. O primeiro, na TV Bandeirantes, terá, após polêmica
e acordo, a participação de todos os candidatos no Rio. Claro que devemos
evitar a naniquização da política partidária brasileira. Mas, para isso,
precisamos desenvolver critérios mais sofisticados que evitem legendas de
aluguel, que existem para sorver recursos públicos, mas não impedir vozes que
representam o pensamento de parte da população a participar do debate público –
o que vai empobrecer nossa democracia.
2)
Guerrilha digital – É fundamental que empresas tenham sido
proibidas de investir recursos em campanhas eleitorais. Mas a proibição de
financiamento direto teve um efeito colateral: está levando candidaturas a
combinarem com empresas interessadas em apoia-las para que arquem com serviços
digitais de desconstrução de reputações via internet. Esses serviços tiveram um
papel importante nas últimas eleições gerais de 2014 com a transformação da
rede em palco de batalha em que a “verdade'' caiu morta. Por ser feito nas
sombras, ser difícil de rastrear, não ter custos expressivos e nem passar pela campanha
e seus representantes, esse financiamento é invisível à análise das contas.
3)
Mais meme, menos reportagem – Os boatos tiveram um papel central
nas eleições de 2014, aproveitando-se do fato de parte dos eleitores não ter
sido devidamente preparada para distinguir fofoca de informação correta, talvez
pelo mesmo motivo de consumir memes de qualidade duvidosa com mais voracidade
do que reportagens produzidas com profundidade. Apesar de não ser uma campanha
pela Presidência da República, a situação não deve ser melhor este ano, porque
o instrumento já se provou eficaz e a sociedade foi incompetente em tentar
qualificar o debate público digital no país.
4)
Terreno envenenado – Apesar de ter aumentado o número de
pessoas que discutem política como efeito de um processo de um impeachment
absorvido pela internet, não é possível dizer que isso significou uma
qualificação do debate político brasileiro. Pelo contrário, a polarização burra
– incitada em grande parte a partir da guerra campal estabelecida por PSDB e PT
nas eleições de 2014 – ajudou a moldar a forma como discutimos política em 2015
e 2016: gritando “verdades'' e não ouvindo “mentiras'' – sendo que verdade é
tudo aquilo com o qual concordo e mentira é tudo com o qual discordo.
5)
Representação em descrédito – A democracia representativa segue
em descrédito por parte da população por não conseguir dar respostas aos seus
problemas. Ao mesmo tempo, candidatos como Donald Trump, nos Estados Unidos, e
seus simulacros mal ajambrados no Brasil, travestem suas figuras anacrônicas do
aparente frescor da novidade por serem outsiders do jogo político partidário
tradicional, apesar do discurso que empunham defender a permanência do mundo de
sempre. Parte da elite intelectual, seja de esquerda, de centro ou de direita,
é vítima da arrogância de sua análise de conjuntura enviesada. Não raro,
tratamos como piada ou folclore figuras que sabem muito bem o que fazer e que
entendem como parcelas do eleitorado estão divididas, utilizando essa percepção
a seu favor. Essas “piadas'' vão conquistar espaço em prefeituras e Câmaras dos
Vereadores a partir de outubro.
6)
Menos é menos – Como o financiamento empresarial foi
proibido, diminuiu-se o período de campanha para baratear o custo total das
eleições. Ao mesmo tempo, reduziu-se os blocos maiores da propaganda eleitoral
obrigatória no rádio e na TV e aumentou-se as inserções curtas ao longo da
programação. Ou seja, será a campanha do jingle e do slogan em detrimento ao
debate aprofundado de ideias. Abriu-se mão do tempo, mas não se abre mão do
padrão do marketing de mercado.
Observação: Atualizado às 14h30, do dia 19/8/2016, para
inclusão de informações sobre a participação de todos os candidatos no debate a
ser realizado pela TV Bandeirantes no Rio de Janeiro.
Textos tão lúcidos com informações lamentavelmente reais.
ResponderExcluirTextos tão lúcidos com informações lamentavelmente reais.
ResponderExcluir