Sabotage, álbum póstumo de artista rebelde e genial
Treze anos após a morte do
“Maestro do Canão”, amigos e familiares lançam disco com onze sons inéditos de
um dos mais talentosos, influentes e carismáticos rappers do Brasil
Por André Caramante
A vida nos estreitos becos
da Favela do Canão, no bairro do Brooklin, lapidou Mauro Mateus dos Santos
(1973-2003) e o transformou em
Sabotage. De pequeno traficante, Maurin, como era chamado
pelos parceiros com quem dividiu espaço nas biqueiras, ele se tornou um dos
mais talentosos, influentes e carismáticos rappers do Brasil, dono de um flow
(levada do rap) único e com capacidade de adaptação raramente encontrada no
estilo musical. Sabotage foi uma máquina de declamar a poesia das ruas, um
artista à frente de seu tempo.
Neste mês de outubro,
treze anos após o assassinato do rapper a tiros, numa manhã de janeiro de 2003,
na mesma zona sul tão rimada em suas músicas, os filhos de Sabotage, Tamires e
Wanderson, o Sabotinha, em conexão com o coletivo Instituto (os produtores
musicais Tejo Damasceno e Rica Amabis), Daniel Ganjaman, Karina Spinoza e Bola,
produtor dos shows de Sabotage, trazem às ruas músicas inéditas em “Sabotage”,
o segundo álbum do cantor. O disco está disponível desde a madrugada desta
segunda-feira (17/10) na plataforma Spotify.
“A caminhada do Sabota no
rap ficou evidente quando o pessoal do movimento [tráfico de drogas] dizia para
ele largar o crime e se dedicar ao rap. Enquanto esperava os compradores na
biqueira [ponto de venda de drogas], ele ficava cantando rap e todos
reconheciam que o lugar dele era na arte”, conta o parceiro Bola.
Com 11 faixas do mais puro
rap nacional, “Sabotage” traz um retrato contundente das ruas de São Paulo.
Mais de uma década após as composições, o disco é atual na forma e no conteúdo,
graças ao poder criativo do coletivo Instituto, Daniel Ganjaman e DJ Cia (RZO),
e ao estilo de produção de Sabotage, que utilizava o dialeto falado nas
quebradas de São Paulo para narrar as caminhadas da comunidade e de sua própria
vida.
A música “País da Fome
(Homens Animais)” é um dos pontos altos do novo disco. Começa com a notícia
sobre a morte de Sabotage e emociona quando, com a voz embargada, o rapper
lembra do irmão, Deda, e da mãe, ambos já mortos na época da gravação. É o
choro da saudade também lapidado e transformado por ele em rap.
Capa do álbum póstumo de Sabotage. Disco tem 11 músicas inéditas do lendário rapper da zona sul de SP – Foto: Reprodução |
Ao longo dos últimos 13
anos, o Instituto se dedicou à fusão precisa da voz de Sabotage com as bases
sonoras produzidas para o disco. Todas as músicas de “Sabotage” tiveram a voz
guia captada até um dia antes da morte do rapper, exatamente quando ele
conquistava o reconhecimento do Brasil com seu disco de estreia. “Rap É
Compromisso” (2000) foi lançado pela Cosa Nostra, a gravadora do Racionais
MC´s, e tem os hinos “Rap É Compromisso”, “Respeito É Pra Quem Tem” e “Um Bom
Lugar”.
Para a missão, Tejo
Damasceno, Rica Amabis, Daniel Ganjaman e DJ CIA, acompanhados por Tamires,
Sabotinha e Karina, fizeram uma seleção cabulosa de rappers e produtores
musicais.
Com método caótico,
Sabotage escrevia suas músicas sentado no chão entre dois televisores (um
sintonizado em desenhos animados ou em noticiários e o outro em videoclipes de
rap ou músicas black antigas) e dois aparelhos de som ligados, sempre no
barraco onde vivia com a mulher e os dois filhos.
As referências musicais do
cantor passavam pelos norte-americanos Nas, Enimen, Jay-Z, Dr.Dre, Snoop Dogg,
Notorius B.I.G., Eazy-E, Lauryn Hill, Coolio, Cormega, Foxy Brown, Tupac Shakur
— maior nome do rap nos Estados Unidos, — o inglês Malcolm McLaren e a cantora
Sandy (por quem tinha admiração pela técnica vocal), que à época formava dupla
com o irmão Júnior. Era um processo que, em um primeiro momento, só ele
entendia.
Sagaz, Sabotage também
ajudou a erguer as primeiras pontes entre o rap e o cinema nacional. Ainda no
início dos anos 2000, as atuações do músico como ator em “O Invasor” (2001), de
Beto Brant, quando contracenou com o cantor Paulo Miklos, e em “Carandiru” (2003),
de Hector Babenco (1946-2016), evidenciaram seu talento artístico.
Hoje, Sabotinha e Tamires são responsáveis pelo lançamento do disco póstumo do pai, o rapper Sabotage – Foto: Spotify |
Músicos como Emicida e
Criolo, grandes expoentes do rap nacional hoje, também tiveram suas carreiras
influenciadas por Sabotage, conhecido no meio como “Maestro do Canão”.
Nos sons do disco que
carrega a alcunha do artista estão Rappin’Hood, Sandrão, Céu, Tropkillaz, DJ
Zegon, BNegão, Dexter, Shyheim (do grupo norte-americano Wu-Tang Clan, umas das
maiores inspirações de Sabotage), DJ Nuts, Mr. Bomba, Celo-X, DBS, Negra Li,
Lakers, DJ Cia, Dago Miranda, André Canto Rima, Funk Buia, Quincas Moreira e
Fernandinho Beatbox.
Por conta da genialidade
ímpar de Sabotage e das bases criadas por seus parceiros, “Sabotage” tem tudo
para se tornar uma das trilhas sonoras das quebradas de todo o país nos
próximos anos, assim como aconteceu com “Rap É Compromisso”.
FONTE. SITE PONTE
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