Federação Israelita do RJ impõe censura e ameaça acadêmico brasileiro
O professor Thomas
de Toledo publicou, em seu blogue e no portal Vermelho, um artigo denunciando
possíveis ações de Israel e dos EUA no golpe de Estado praticado recentemente
no Brasil. Em consequência desse ato, Toledo tornou-se vítima da ira dos
sionistas da Federação Israelita do Rio de Janeiro (Fierj), que mobilizou os
sionistas e a comunidade judaica brasileira contra ele. Foram dias e dias de
ameaças e de comentários violentos em sua página do FB, em seu blogue e até via
telefone. A pressão se estendeu à Unip, onde Toledo era professor, e provocou
sua demissão.
Ciente de que a Fierj e seus aliados extrapolaram todos os limites, agindo contra os direitos mais básicos dos seres humanos e contra nossa Constituição, Parallaksis publica artigo de Marcos Tenório e Baby Siqueira Abrão em defesa do professor e denunciando a ação da Fierj. Logo em seguida você poderá ler o artigo de Thomas de Toledo.
Ciente de que a Fierj e seus aliados extrapolaram todos os limites, agindo contra os direitos mais básicos dos seres humanos e contra nossa Constituição, Parallaksis publica artigo de Marcos Tenório e Baby Siqueira Abrão em defesa do professor e denunciando a ação da Fierj. Logo em seguida você poderá ler o artigo de Thomas de Toledo.
Por
Baby Siqueira Abrão e Marcos Tenório(1)
Mais uma vez a Federação Israelita do Rio de
Janeiro (Fierj) leva a público uma denúncia infundada e persegue pessoas que
fazem críticas ao sionismo e a Israel, acusando-as, de maneira injusta e
leviana, de “antissemitas” [2]. Já havia feito isso com o cartunista
Carlos Latuff, com o jornalista José Reinaldo de Carvalho, do Portal Vermelho,
e com um dos fundadores do Pink Floyd, Roger Waters, todos contrários às
políticas de Israel em relação ao povo palestino. Dessa vez a vítima foi Thomas
de Toledo, historiador formado pela USP, com mestrado em desenvolvimento
econômico pela Unicamp. Essa sólida formação acadêmica, unida a informações que
a mídia corporativa brasileira omite mas que a internacional publica, levou-o a
escrever o artigo “Os dedos de Israel e dos Estados Unidos no golpe no Brasil”,
publicado em seu blogue, no portal de notícias Vermelho, do PCdoB, e em vários
outros portais, como o Pravda.
O que Toledo fez, em somente três parágrafos
de um artigo bem mais longo, foi reportar fatos comentados abertamente por
jornalistas bem informados em sites internacionais, além de criticar os
sionistas e Israel pela possível ingerência em assuntos que não lhes dizem
respeito, pois se trata da soberania do povo brasileiro. Matéria no jornalTimes
of Israel mostra que o professor teve razão em suas considerações: o
governo israelense aplaudiu o golpe, considerando Michel Temer um “amigo do
país” e lembrando que Dilma Rousseff desagradou as autoridades sionistas ao
classificar o ataque militar massivo de Israel a Gaza, em 2014, de “massacre” e
ao se negar a receber, como embaixador no Brasil, o sionista Dani Dayan,
conhecido por sua defesa intransigente das colônias judaicas construídas
ilegalmente em terras confiscadas aos palestinos — ele chegou a
presidir a entidade que as congrega, Yesha, além de residir numa delas, Ma’ale
Shomron — e por advogar a anexação, por Israel, de toda a Palestina
histórica, posição contrária à do Brasil, que tampouco apoia a construção
ilegal das colônias exclusivamente judaicas na Palestina.
A ilegalidade das colônias — verdadeiras
cidades com toda a infraestrutura necessária a quem vive nelas — que
os governos israelenses vêm construindo, ao longo dos anos, em território
palestino, e do muro de oito metros de altura mínima usado para confiscar
terras pertencentes à Palestina e segregar seu povo, bem como todo o aparato
que lhes é relacionado (estradas de uso proibido a palestinos, postos militares
e torres de controle, câmeras, cercas eletrificadas etc.), foi estabelecida por
parecer do Tribunal Internacional de Justiça em 9 de junho de 2004 e aprovada
por ampla maioria pela ONU. Em seu parecer, que tem força de lei[3], o Tribunal solicita, aos países-membros
da ONU, evitar todo tipo de apoio às colônias e ao muro — solicitação
cumprida pela presidenta eleita Dilma Rousseff ao recusar Dayan como embaixador
de Israel no Brasil.
Essa posição firme da presidenta Dilma, e
sua recusa a negociar a soberania brasileira, incomodaram corporações e países
de olho em nossos recursos naturais, como o pré-sal, a água, a grande extensão
de terras cultiváveis, a riqueza dos minérios e a biodiversidade. Dizer que
Israel e empresas com sócios sionistas não fazem parte desse grupo é faltar com
a verdade. Todas as companhias e todos os países com interesse em petróleo,
gás, água, minérios e biodiversidade salivam pela América Latina, e por isso
apoiam, direta ou indiretamente, a atual política externa estadunidense em sua
tentativa de retomar o controle dos governos do continente. Também é fato
conhecido que, para isso, utiliza-se o método da desestabilização crescente dos
países-alvo, até a derrubada de dirigentes progressistas por meio de golpes a
um só tempo judiciais, legislativos e midiáticos. A obra do professor Gene
Sharp e os manuais da CIA nunca esconderam esse método. Não se trata de
segredo.
Tampouco é segredo que o Mossad, serviço de
inteligência israelense ao qual o professor Thomas de Toledo faz referência em
seu artigo, dirige operações em solo estrangeiro. Sendo responsável por atuar
fora de Israel, é o Mossad que leva a cabo as ações que as autoridades
israelenses decidem realizar em outros países.
O mais grave é que, em sua sanha em defender Israel e
o sionismo, a Fierj fez acusações apoiadas numa leitura apressada e descuidada
do artigo do professor Toledo e desrespeitou a Constituição do país onde está
sediada, cujo art. 5º garante, em II, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de
fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; em III, que “ninguém
será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante” e, em IV, que
“é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Segundo
entendimento do Supremo Tribunal Federal[4], o“rol de liberdades” contido no art. 5º da
Constituição inclui “livre manifestação do pensamento, livre expressão da
atividade intelectual, artística, científica e de comunicação e livre acesso à
informação”.
A Fierj não pode tentar impor a censura num
país onde ela não existe mais. E sua atitude, destinada a identificar o
sionismo com o judaísmo é, no mínimo, equivocada[5], e tem como objetivo criminalizar, sob a
acusação de “antissemitas”, aqueles que criticam o modo como Israel trata os
palestinos e as operações dos sionistas ao redor do planeta. Feitas por milhões
de cidadãos e cidadãs do mundo todo, reunidos em grupos organizados de apoio à
soberania do povo palestino, tais críticas acabaram isolando politica e
economicamente Israel, que vem sofrendo perdas consideráveis com a campanha BDS — de
boicote, desinvestimento e sanções às empresas apoiadoras do Estado sionista ou
sediadas nele, em particular aquelas estabelecidas nas colônias exclusivamente
judaicas a que já nos referimos, construídas de modo ilegal no território
palestino ocupado por Israel.
Em lugar de respeitar o direito
internacional e desocupar a Palestina, recolhendo-se às fronteiras anteriores à
Guerra dos Seis Dias (junho de 1967), reconhecidas pela comunidade
internacional, as autoridades israelenses, os sionistas e seus apoiadores
exercem pressão e censura em diversos países, chegando a alterar leis para
criminalizar indivíduos e grupos críticos a Israel. Isso aconteceu recentemente
na França e nos Estados Unidos, países em que a legislação foi modificada para
transformar o apoio à campanha BDS em delito judicialmente punível.
Tanto a Fierj como os sionistas que
criticaram duramente Thomas de Toledo exerceram seu direito de fazê-lo,
assegurado pelo art. 5º, IV, de nossa Constituição. Acontece que suas críticas
não tinham fundamento no artigo do professor. O que eles não podiam e não podem
fazer, de modo algum, é persegui-lo com ameaças, assediá-lo a todo momento por
telefone e em redes sociais, exigir sua demissão e submetê-lo a tratamento
degradante, principalmente em
público. Esses são crimes que não podem ficar impunes. Uma
coisa é discordar da posição de alguém e manifestar tal discordância; outra,
muito diferente, é transformar a vida de um cidadão respeitado num inferno,
imputar-lhe acusações falsas, tirar-lhe o ganha-pão e ameaçar sua integridade moral
e física.
Não podemos ficar calados diante desse grave
cenário montado pela Fierj. É preciso denunciar atos e intenções
inconstitucionais, portanto criminosos, contra alguém que apenas cumpriu a
obrigação de informar seu público e exerceu o direito de manifestar seu
pensamento.
Esperamos que esse tipo de atitude,
atentatória à nossa Constituição e à nossa liberdade, tão duramente
conquistada, não se repita.
Todo apoio ao professor Thomas de Toledo e
ao portal Vermelho.
[1] Baby Siqueira Abrão,
jornalista e filósofa, estuda o sionismo e a questão palestina há nove anos e
foi correspondente do jornal Brasil de Fato no Oriente Médio, sediada na Palestina. Marcos Tenório,
historiador, é especialista em relações internacionais. Ambos são ativistas da
luta anticolonialista e antissionista, têm ascendência árabe e portanto provêm
de grupo étnico de língua semita.
[2] Até mesmo a expressão
“antissemitismo” é mal colocada. Os sionistas europeus que migraram para Israel
não têm ligações com os antigos semitas — que na verdade não constituem um povo com história estabelecida
e sim um tronco linguístico — mas com os casares,
tardiamente convertidos ao judaísmo. Os prováveis descendentes dos semitas são
os árabes. A palavra correta, assim, é antijudaísmo, e não antissemitismo.
Nesse crime, porém, Thomas de Toledo não incorreu, ao contrário do que afirmam
seus críticos.
3 Veja-se o artigo 38 (d) dos
Estatutos da instituição.
4 In A Constituição e o
Supremo,
versão completa. Brasília: STF, 2011. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/constituicao.asp>. Acesso em: 20
jun. 2016.
[5] Associações de judeus no mundo inteiro (Israel incluído), como
Neturei Karta e Jewish Voice for Peace, rejeitam o sionismo, insistindo que o
movimento não representa o judaísmo nem fala por ele. Além disso, o sionismo
não congrega somente judeus, mas praticantes de outras religiões, além de
seculares e ateus.
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