A Economia do Século XXI e o Papel dos Economistas Marxistas
por Jadson Alves
Desde a década de
1980, com a chegada das políticas econômicas neoliberais ao nosso país, a
academia brasileira passou por transformações que dizem respeito não somente à
estruturação dos cursos e direcionamento de verbas para a pesquisa, mas
iniciou-se a tentativa de desmanche de laboratórios e núcleos, bem como a
marginalização de todos os profissionais ligados às linhas mais críticas do
sistema. Na Economia isso não se deu diferente. Hoje assistimos a hegemonia da
ortodoxia junto a uma heterodoxia capenga, mas que ainda consegue dominar
centros importantes; e um frágil grupo de economistas marxistas que parecem
estar a espera da total exclusão. Daí nos vem a pergunta: como chegamos a isso?
Por mais que
concordemos que, de certo modo, a academia parece estar isolada da sociedade,
isto é uma meia verdade, dado que ela reflete exatamente a correlação de forças
sociais atuantes e é inegável que quem mais “aparece” são os neoclássicos, pois
dentro das idéias de Althusser, a Universidade é mais um meio de propagação da
ideologia dominante. Não há segredo, o período dourado para os keynesianos
foram as décadas seguintes ao pós-guerra, como o período em que os marxistas
mais influenciaram a academia foi nos tempos de existência da URSS. Ao passo que
as políticas econômicas keynesianas passaram a não dar mais respostas concretas
para a tendência geral à queda da taxa de lucro (diminuição da taxa de
acumulação de capital) e que o primeiro Estado Operário da história da
humanidade foi dissolvido, keynesianos e marxistas foram levados ao ostracismo
acadêmico. Enquanto os primeiros continuam a remoer a história da
industrialização brasileira, os segundos parecem ser incapazes de avançar além
das questões de valor-de-uso e valor e travam na explicação dos processos de
financeirização com o capital portador de juros e o capital fictício.
Mas como resolver
esse problema, então? Para mim a resposta vem do exemplo mais antigo e que deu
início a existência da nossa escola (marxista), está em Karl Marx. No longínquo
século XIX, Marx deparou-se com as três fontes formadoras de seu pensamento, a
saber: os teóricos do socialismo utópico franceses, como também com as
experiências do movimento da classe trabalhadora na Inglaterra; a Economia
Política Clássica Inglesa, com Petty, Smith e Ricardo; e a principal delas, a
dialética hegeliana. Naquele período as ciências sociais se encontravam ali em
seu estado da arte e o grande esforço de Marx foi desmistificá-la, torná-la
entendível, desenvolvê-la e desmascarar as limitações e a má fé dos charlatões.
Marx deu a maior contribuição teórica para a luta de classes e o resultado não
foi outro, uma vez que formou intelectualmente os trabalhadores em Economia e
Política, a relação entre capital e trabalho nunca mais foi mais a mesma, como
também a Comuna de Paris não somente anunciou, mas possibilitou que se
materializasse a primeira tentativa de transição socialista que fez com que em
um terço da humanidade víssemos subir governos operários. Embora a forma da
exploração de classe tenha mudado, nossa tarefa ainda é a mesma: temos que desmistificar a ortodoxia, mostrar suas contradições,
desmascarar os charlatões de nosso tempo, precisamos formar os trabalhadores
para a luta contra a exploração.
No período de Marx a
grande questão era entender como nações tão ricas (principalmente a Inglaterra
àquela altura) possuíam a maior parte de sua população em tamanha penúria. Desde que Marx descobriu a mais-valia, a partir da teoria do
valor trabalho, a ideologia da classe dominante teve que mudar, foi quando
tivemos a chamada revolução marginalista, que não se enganem! Também surge no
longínquo século XIX, no último quartel deste. Marx foi
contemporâneo desses “teóricos”, mas diante da incipiência destes e dos
sucessos da luta dos trabalhadores, não fez mais do que classificar os
neoclássicos como que realmente são, “economistas vulgares”, pois como nós
sabemos, a teoria do valor utilidade além de não explicar o processo de
produção capitalista, também é incapaz de explicar a acumulação de capital e
seus desdobramentos sistêmicos, de fato, não passa de vulgaridades do
pensamento econômico. O que nós, da nova geração, não
poderíamos esperar é que a vulgaridade daquelas idéias, aliadas a uma retórica
baseada nos métodos quantitativos, fossem influenciar tanto nossos tempos
“modernos”.
Alguns podem até
querer se defender dizendo que assistimos a uma colonização do pensamento, que
neoclássicos tem mais espaço para publicação de pesquisas e coisas do tipo.
Isso ocorre de fato, não discordo, mas o que precisamos entender é que a
principal causa do contexto em que vivemos hoje é o anacronismo de nossas
idéias, anacronismo tamanho que faz com que a economia vulgar ocupe papel
central de modo indiscutível não somente entre a classe dominante, mas também
entre os trabalhadores. Ao dizer isso não quero que me confundam com um
revisionista ou com os que modernamente se auto-proclamam “marxianos”. Não! Sou
um marxista ortodoxo que acompanha a evolução do pensamento de nossa escola,
evolução que conta com as contribuições de Lênin, Trotsky, Rosa, Baran, Sweezy,
Frank, Marini e tantos outros, a questão é que temos que parar de saudosismos
com “O Capital” e avançar nas debilidades da obra prima que deu nascimento à
nossa escola. Ter lido O Capital não é motivo de orgulho
ou de insuflamento de ego, não é mais que nossa obrigação, afinal de contas em
2017 o livro fará 150 anos de lançamento.
Hoje, por mais
hegemônica que seja a teoria neoclássica, todos, leigos e acadêmicos, percebem
as debilidades desta teoria. Isso se patenteia no número de previsões erradas,
na incapacidade de previsão das crises, da falta de respostas para as mesmas. A
teoria neoclássica, que aos poucos utilizou-se da modelagem matemática como
artifício retórico frente as debilidades de sua teoria econômica, assenta-se
cada vez menos na explicação da realidade concreta e debruça-se cada vez mais
na solidez matemática e estatística julgando que as falhas estão na baixa
composição dos R² de seus modelos e na proporção dos erros alta que mantém as
variáveis bastante estocásticas e pouco previsíveis. Estão tão tranquilos em
sua hegemonia que até assumem isso, falam que é impossível prever a Economia
embora, contraditoriamente, dediquem toda uma formação a tentativa de modelá-la
e prevê-la.
E onde estamos nós
nisso? Gostamos de apontar o erro, de deixarmos claro que eles estão errados,
mas não nos preocupamos em avançar no que Marx já fez. Que a economia capitalista passa por crises cíclicas, e por
vezes estruturais, em virtude da acumulação de capital que concentra os meios
de pagamentos e leva ao esgotamento das reservas naturais, Marx já descobriu,
precisamos ir além. E se temos plena consciência que não há método de análise melhor
que o materialista-histórico-dialético, por que não usarmos da matemática e da
estatística para precisarmos nossas afirmações nos momentos em que couberem? Os
métodos quantitativos não são posse da ciência positiva, como ferramentas cabem
muito bem nas análises do método científico dialético, na verdade é um
ferramental de análise bastante desenvolvido que nós nos damos ao luxo de não
dominar. Exemplo claro disso é a matriz insumo-produto, ou vocês acham que
aquela grande ferramenta matemática combina mais com um mercado falho e
propenso a crises do que com uma economia planejada? Por que acham que a mesma
hoje foi abandonada pelos neoclássicos? Dominar os métodos quantitativos é
necessário se quisermos nos manter na academia e que bom que há marxistas que
se debruçam também sobre esses métodos, como se debruçou nosso saudoso Reinaldo
Carcanholo, porém, mais importante do que o meio acadêmico, precisamos
popularizar nossas teorias. Enquanto insistir na academia aparece como
necessidade tática, contribuir para a formação das massas é mais que uma
questão de existência, é uma questão de estratégia.
Por fim, creio que
precisamos não só desmistificar a Economia e definir seus conceitos, como
precisamos ter clareza até sobre nós mesmos. Estudar Marx para consertar a
economia capitalista não nos faz marxistas, nos faz keynesianos, pois esse foi
o grande mérito de Keynes no contexto oportuno em que surgiu, ainda que não dê
os devidos créditos. Mas se nem sete bilhões de seres humanos organizados
produtivamente e liderados por uma classe forte como a burguesia consegue dar
cabo das contradições desse sistema, quem somos nós para almejar tanto? Devemos parar de nos enganar com essa história de capital bom
(produtivo) e capital mau (financeiro), pois este último supõe o primeiro, ou
vocês realmente acham que o grande problema da nossa economia é porque o
empresário investe em capital financeiro e não em “produtivo”? Ou realmente
acreditam que novas e fortes instituições burguesas darão cabo de regular as
falhas do mercado e serão cura de suas contradições? Ora por favor, o
grande problema desse sistema é a exploração de classe baseada na mais-valia, é
ela que dá razão de existência a todas as contradições do mercado, a anarquia
da produção e a concentração de renda. Marx desmistificou isso há um século e
meio, isso já deveria estar superado. Processo de trabalho capitalista, ao ter
como produto final a produção de valor e não apenas valor-de-uso, faz com que
esta produção seja autodestrutiva e anárquica. Por que então tanta simpatia com
as correntes keynesianas? Do mesmo modo temos que ter muito cuidado com nossas
propostas referentes à questão ecológica. Entrar
nessa esfera abandonando a análise da acumulação de capital e a exploração de
classes e entrando em defesas irrestritas de formas de produção agrárias
pré-capitalistas só faz de nós limitados reformistas. E limitados mesmo,
pois sabemos que não chegaremos a lugar nenhum com isso.
Repito, nosso papel, assim como foi o de Marx, é desmistificar a
Economia e desmistificar não só para nós mesmos, mas para a sociedade. As pessoas não
entendem hoje a relação da dívida pública, da democracia burguesa e dos altos
juros praticados com a impossibilidade de aprimoramento das políticas públicas
sociais e da precarização do trabalho. Dizer, por exemplo, que saúde e educação
não são mercadorias é apenas uma palavra de ordem, mas hoje, nossos movimentos
sociais não conseguem entender a capacidade que o sistema capitalista tem de mercantilizar
tudo. Saúde e educação, dentro do sistema capitalista, são mercadorias sim, tal
qual o tão falado “direito à cidade” não é direito algum. Mas se os movimentos
sociais ainda não tem plena consciência que estas falas são apenas palavras de
ordem de agitação e propaganda, será que nós entendemos? E se não entendemos
ainda, estamos esperando por quem para desvendar e esclarecer isso? Que Marx
volte? Vamos lá meus caros, avante camaradas, estejamos à altura das tarefas de
nosso tempo! Enquanto houver capitalismo e suas contradições nós seremos
fundamentais para a classe trabalhadora (que também nos sustenta, além de
sustentar a burguesia), não devemos dar pra trás em nossa tarefa histórica.
Jadson Alves – Membro do VIÈS - Núcleo de Economia Política da
UFC
Economista pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
Pós-Graduando do Mestrado em Economia Política
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
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