O golpe de Estado de 2016 no Brasil
“ A prática do golpe de
estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias latino-americanas”
Por Michaell Lowy
Vamos
dar nome aos bois. O que aconteceu no Brasil, com a destituição da presidente
eleita Dilma Rousseff, foi um golpe de Estado. Golpe de Estado
pseudolegal,“constitucional”, “institucional”, parlamentar ou o que se
preferir. Mas golpe de Estado. Parlamentares – deputados e senadores –
profundamente envolvidos em casos de corrupção (fala-se em 60%) instituíram um
processo de destituição contra a presidente pretextando irregularidades
contábeis, “pedaladas fiscais”, para cobrir déficits nas contas públicas – uma
prática corriqueira em todos os governos anteriores! Não há dúvida de que
vários quadros do PT estão envolvidos no escândalo de corrupção da Petrobras,
mas Dilma não… Na verdade, os deputados de direita que conduziram a campanha
contra a presidente são uns dos mais comprometidos nesse caso, começando pelo
presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (recentemente suspenso),
acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão fiscal etc.
A
prática do golpe de Estado legal parece ser a nova estratégia das oligarquias
latino-americanas. Testada em Honduras e no Paraguai (países que a imprensa costuma
chamar de “República das Bananas”), ela se mostrou eficaz e lucrativa para
eliminar presidentes (muito moderadamente) de esquerda. Agora foi aplicada num
país que tem o tamanho de um continente…
Podemos
fazer muitas críticas a Dilma: ela não cumpriu as promessas de campanha e faz
enormes concessões a banqueiros, industriais, latifundiários. Há um ano a
esquerda política e social cobra uma mudança de política econômica e social.
Mas a oligarquia de direito divino do Brasil – a elite capitalista financeira,
industrial e agrícola – não se contenta mais com concessões: ela quer o poder
todo. Não quer mais negociar, mas sim governar diretamente, com seus homens de
confiança, e anular as poucas conquistas sociais dos últimos anos.
Citando
Hegel, Marx escreveu no 18 de Brumário de Luís Bonaparte que os acontecimentos
históricos se repetem duas vezes: a primeira como tragédia, a segunda como
farsa. Isso se aplica perfeitamente ao Brasil. O golpe de Estado militar de
abril de 1964 foi uma tragédia que mergulhou o Brasil em vinte anos de ditadura
militar, com centenas de mortos e milhares de torturados. O golpe de Estado
parlamentar de maio de 2016 é uma farsa, um caso tragicômico, em que se vê uma
cambada de parlamentares reacionários e notoriamente corruptos derrubar uma
presidente democraticamente eleita por 54 milhões de brasileiros, em nome de
“irregularidades contábeis”. O principal componente dessa aliança de partidos
de direita é o bloco parlamentar (não partidário) conhecido como “a bancada
BBB”: “Bala” (deputados ligados à Polícia Militar, aos esquadrões da morte e às
milícias privadas), “Boi” (grandes proprietários de terra, criadores de gado) e
“Bíblia” (neopentecostais integristas, homofóbicos e misóginos). Entre os
partidários mais empolgados com a destituição de Dilma destaca-se o deputado
Jair Bolsonaro, que dedicou seu voto aos oficiais da ditadura militar e
nomeadamente ao coronel Ustra, um torturador notório. Uma das vítimas de Ustra
foi Dilma Rousseff, que no início dos anos 1970 era militante de um grupo de
resistência armada, e também meu amigo Luiz Eduardo Merlino, jornalista e
revolucionário, morto em 1971 sob tortura, aos 21 anos de idade.
O
novo presidente, Michel Temer, entronizado por seus acólitos, está envolvido em
vários casos suspeitos, mas ainda não é alvo de investigação. Uma pesquisa
recente perguntou aos brasileiros se eles votariam em Temer para presidente da
República: 2% responderam que sim…
Em
1964, grandes manifestações “da família com Deus pela liberdade” prepararam o
terreno para o golpe contra o presidente João Goulart; dessa vez, multidões
“patrióticas” – influenciada pela imprensa submissa – se mobilizaram para
exigir a destituição de Dilma, em alguns casos chegando a pedir o retorno dos
militares… Formadas essencialmente por brancos (os brasileiros são em maioria
negros ou mestiços) de classe média, essas multidões foram convencidas pela
mídia de que, nesse caso, o que está em jogo é “o combate à corrupção”.
O
que a tragédia de 1964 e a farsa de 2016 têm em comum é o ódio à democracia. Os
dois episódios revelam o profundo desprezo que as classes dominantes
brasileiras têm pela democracia e pela vontade popular.
O
golpe de Estado “legal” vai transcorrer sem grandes obstáculos, como em
Honduras e no Paraguai? Isso ainda não é certo… As classes populares, os
movimentos sociais e a juventude rebelde ainda não deram a última palavra.
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Artigo enviado pelo autor diretamente ao Blog da Boitempo. A tradução, a partir
do original em francês, é de Mariana Echalar.
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