O Nordeste brasileiro e a lógica do capital
Por Fábio Maia Sobral
e Erica Mara Torres Pompeu
O Nordeste historicamente
constitui a reserva de mão de obra para o processo de industrialização
brasileiro. O fornecimento de uma massa de trabalhadores para o baixo
assalariamento e consumo reduzido são marcas essenciais de um capitalismo
excludente e concentrador de riquezas.
O modelo industrializante
volta-se para o benefício dos setores sociais de maior renda, Celso Furtado (O
mito do desenvolvimento econômico) apresentou o balanço da industrialização
como sendo de produção de bens para o consumo de alta renda (em um mimetismo
obcecado de superávit da balança comercial e importação de tecnologia avançada
geradora de poucos postos de trabalho.
Surge deste sistema uma
profunda dependência diante dos países capitalistas avançados. Imensa
desigualdade social é o resultado da industrialização daí decorrente, além de
desigualdades regionais e monstruosa concentração de capital.
O modelo exportador de
produtos agrícolas com população miserável, existente desde o Brasil colônia, é
substituída pelo modelo exportador de bens manufaturados com perversa
concentração de riquezas. Este modelo entra em crise com o predomínio da China.
Esgota-se aceleradamente o modelo exportador baseado em baixos salários. Não há
como competir com a imensa e superexplorada (Ruy Mauro Marini) força de
trabalho chinesa. O que fez modificar o capital no Brasil e no mundo, que
caminhou para os ganhos obtidos no mercado financeiro por meio de taxas de
juros elevadas e fuga de tributação em paraísos fiscais.
Um modelo distinto de
expansão do capital se dá com a inclusão no consumo de camadas da população que
eram somente reserva de mão de obra. A inclusão no consumo significou,
principalmente no Nordeste, uma imensa fronteira a ser aproveitada pelo
capital. É inovadora a expansão do mercado interno. Trata-se de fonte de
crescimento econômico e constituiu uma inédita capacidade de resistência às
crises internacionais. O PIB do Brasil salta, em 2002, de R$ 3,32 bilhões para
R$4,84 bilhões em 2013, segundo dados do IPEA (valores corrigidos pelo R$ de
2013). As reservas acumuladas em dólares saem de US$ 370,19 bi, em julho de
2015, segundo dados do Banco Central, multiplicando-se por dez.
Porém, a simples inclusão no
consumo se esgota. Só a expansão da distribuição de renda não é sustentável.
Caso a produção continue concentrada em grandes empresas, estimuladas com
financiamento bancário estatal e benefícios tributários (basicamente isenção de
tributos) o modelo central, que tem dominado a economia brasileira, irá se
reproduzir, impedindo a distribuição de renda.
Sob a nossa ótica, dois
modelos se apresentam como opções para o capitalismo atual: o que iremos
denominar aqui por “modelo chinês” e, um outro, de expansão do consumo com
“distribuição de renda”. Vejamos o que cada um traz consigo.
A adoção do “modelo chinês”
de baixos salários e ausência de proteção trabalhista seria caótica e
engendraria um colapso econômico, social e ambiental. O financiamento a polos
industriais (François Perroux) e ao agronegócio, grandes empresas, gigantescos
empreendimentos de infraestrutura apenas produziram mais do mesmo: um país
socialmente desigual, violento, com terrível problemas nos centros urbanos e em
áreas rurais, além de um comportamento agressivo com a Natureza. Eis os
resultados da opção por esse modelo: superexploração da força de trabalho,
desigualdade brutal, baixos preços de produção e elevadas exportações.
Se se propõe outra solução
nos horizontes do capitalismo, uma possível saída seria a adoção do modelo de
expansão da renda, do consumo e da produção de menor escala. Tratar-se-ia do
incentivo à pequena produção agroecológica, à pequena na produção industrial
geradora de empregos, produção de conhecimento adaptado à realidade regional,
proteção à Natureza, elevação da resiliência às graves modificações climáticas
que se avizinham.
Porém, é preciso salientar
que mesmo o modelo não concentrador é apenas outra forma de articulação à
lógica do capital. Como salientava Rosa Luxemburgo há mais de um século em “A
Acumulação de Capital” (1913), o capital necessita de mercados em expansão para
manter sua existência. Eis o dilema: manter o modelo concentrador de renda e
produção levará ao desastre a imensa maioria da população brasileira. A
história do Nordeste constitui um exemplar significativo, o qual testemunha os
“efeitos colaterais”, para utilizar, cinicamente, de uma expressão corriqueira
de “grandes estadistas” (e genocidas) deste mecanismo vital para o capitalismo:
produção de mais do mesmo. Este sistema passa por
exaustões recorrentes. Exaustões que levam à destruição de vidas enquanto
promovem o enriquecimento extraordinário de uma pequena camada.
*Fábio Maia Sobral é
economista e professor da Universidade Federal do Ceará – UFC)
*Erica Mara Torres Pompeu é
economista e filósofa
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