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A vez e a hora da Economia Ecológica



Por: Aécio Alves de Oliveira

Professor de Economia Ecológica e Pensamento Econômico Marxista da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza-CE, 7 de julho de 2014.

A natureza é o corpo inorgânico do homem... O homem vive na natureza – significa que a natureza é seu corpo com o qual ele deve permanecer se não quiser morrer. Porque a vida física e espiritual do homem está presa à natureza, significa dizer simplesmente que a natureza está conectada a si mesma, pois o homem é parte da natureza.
....................................................................................................Nem sequer toda a sociedade, uma nação, mais ainda, todas as sociedades contemporâneas juntas são proprietárias da Terra. Somente são seus possuidores, seus usufrutuários, e devem melhorá-la, como boni patres familias, para as gerações futuras. (Karl Marx)


O quadro atual da crise civilizatória
Os eventos que tratam do desenvolvimento sustentável, realizados pela ONU, e as pesquisas de cientistas de várias áreas do conhecimento, que servem de fonte para os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC em Inglês), compõem o quadro de preocupações cujo foco são os impactos das ações antrópicas sobre a Terra. Os eventos são oportunidades históricas em que empresários, governantes, políticos, cientistas, ONGs e movimentos sociais fazem suas reuniões para definir caminhos que apontem para um mundo seguro, justo, limpo, verde e habitável para todos. Embora não reconheçam explicitamente, demonstram a necessidade de repensar o significado de crescimento econômico e de estabelecer uma substantiva equidade social, econômica e ambiental.
Na realidade, a grandiosidade desta agenda exige uma nova ordem mundial em que sejam estabeleceidos consensos racionais que contribuam, efetivamente, para eliminar a pobreza, o uso de energia limpa e uma utilização sustentável e equitativa dos recursos naturais. O modo usual de combate à pobreza, as agressões e destruição dos ecossistemas, são problemáticos se a petensão for construir pontes para um futuro promissor.
Em 31 de março de 2014 foi divulgado o 5º Relatório do IPCC em Inglês, trazendo novas preocupações relacionadas às mudanças climáticas e seus impactos.1 O Relatório ressalta os efeitos sobre os recursos hídricos, em termos de quantidade e qualidade (com o aumento das concentrações de gases de efeito estufa), a redução da biodiversidade terrestre e aquática (riscos crescentes de extinção) e os impactos negativos da mudança climática na produção agrícola (especialmente as culturas do trigo, arroz e milho, em regiões tropicais e temperadas). Também chama a atenção para os eventos extremos, com ondas de calor, secas, enchentes, ciclones e incêndios florestais que expõem perigosamente alguns ecossistemas e os sistemas humanos à variabilidade climática. Dentre estes últimos, estão as populações que vivem em condições de pobreza. Há o risco crescente de que a redução da água renovável

superficial e dos recursos subterrâneos na maior parte das regiões secas subtropicais, intensifique uma competição violenta entre diferentes setores econômicos.1
Os sistemas costeiros e áreas de baixa altitude estão sujeitas a inundações e erosão em função da elevação do nível do mar projetado para o século XXI. A redução da biodiversidade marinha em regiões sensíveis afetará a produtividade pesqueira e os serviços ambientais; a acidificação oceânica trará impactos importantes, especialmente sobre os ecossistemas marinhos polares e recifes de corais, em sua fisiologia, comportamento e dinâmica populacional de espécies que deles dependem.
Há questões importantes que afetam mais diretamente a segurança alimentar com a possibilidade de deslocamentos de populações humanas, conflitos violentos e aprofundamento das desigualdades econômicas e sociais em todo o mundo. Os sinais de desaceleração das economias podem ser percebidos em muitos países do norte e do sul, o que torna problemática a redução da pobreza pela via do crescimento econômico.
Esta amostra das repercussões econômicas, sociais e ambientais, tratadas pelo Painel, decorrentes das mudanças climáticas, apenas demonstram que o modo de produção e de vida atinge seus limites absolutos. Demonstram, sobretudo, que não mais possível continuar com a atual matriz energética que move a produção econômica que tem o lucro privado como finalidade. Daí, a necessidade urgente de profundas transformações nos processos econômicas e de desenvolvimento tecnológico, bem como na esfera política. A democracia representativa também atinge seus limites e se torna irrelevante.
É nesse contexto que nasce e ganha importância uma nova área do conhecimento: a Economia Ecológica. A marca distintiva deste novo campo é a interdisciplinaridade que incorpora interseções e fronteiras de diversos conhecimentos, de modo a permitir a compreensão das várias dimensões da realidade em que vivemos. O objeto de estudo da nova área encontra-se nas relações entre economia, sociedade e ambiente. A interdisciplinaridade emerge com a complexidade que envolve o mundo da vida e com a necessidade de que a relação sociedade-Natureza seja orientada por princípios ecologicamente sustentáveis.
Trata-se de uma perspectiva que não é considerada pela particularidade de nenhum dos campos do conhecimento. Em geral, o aparato teórico e prático das ciências estabelecidas serve para justificar ações antrópicas que estão na base de desigualdades que se distribuem desigualmente no mundo. Ademais, direta ou indiretamente, justificam o crescimento econômico ilimitado e os mecanismos de mercado como caminho e meio principal para a resolução de problemas que afligem a humanidade. Em geral, aceitam acriticamente que “o mundo é uma aglomeração de mercadorias, terrenos privados e montes de lixo; nesse meio, um setor “público” deplorável, reiteradamente subordinado aos interesses do capital” (HAUG, 1996.), para propor corretivos de menor resistência.
Desse modo, uma nova “gestão da sustentabilidade” pode ser pensada como princípio orientador do objetivo deste no campo do conhecimento. Como um corolário, o estudo e a valoração (qualitativa e quantitativa) da insustentabilidade seria outra maneira de apresentar este princípio. Com tal perspectiva, há que se considerar os aspectos sociais, econômicos e políticos que perpassam as relações entre o Homem e a Natureza. Assim, e por sua pretensão interdisciplinar (e até mesmo transdisciplinar), a Economia Ecológica deverá concretizar um diálogo de alto nível com as Ciências Humanas, as Ciências Naturais e as Ciências Agrárias.
O diálogo apontado deverá contribuir no sentido de uma percepção mais aguda de que a humanidade vive nos limites da biosfera. Desta se apropria de matéria, energia e serviços ambientais, e lhe devolve resíduos de elevada entropia, ou seja, energia e matéria dissipada. E que esses resíduos afetam a capacidade de suporte da Terra.
Um pressuposto adicional – e fundamental – para a Economia Ecológica é que a biosfera contém a sociedade que, por sua vez, contém a economia. O pensamento que prevalece não admite que a economia seja um subsistema da sociedade, e menos ainda um subsistema da biosfera. Claramente, a visão hegemônica é uma concepção de mundo antropocêntrica, em que a economia é “o” sistema; a sociedade e a biosfera, subsistemas.
Na perspectiva da gestão da sustentabilidade”, emerge a questão relacionada à possibilidade de contornar ou não os conflitos entre crescimento econômico ilimitado e os limites biofísicos que são próprios dos vários ecossistemas. São conflitos que se devem à crescente extração e transformação de recursos renováveis e não renováveis e da crescente carga de resíduos que é despejada no ambiente, oriundos da produção de bens e serviços, de sua circulação e do consumo pessoal de mercadorias.
Evidentemente, esta não é uma discussão puramente econômica, relacionada a efeitos indesejáveis (externalidades negativas), gerados pela produção e o consumo, que seriam resolvidos com taxas, compensações ou subsídios. Antes de tudo, as afetações causadas ao ambiente não são passíveis de valoração completa e precisa, menos ainda com preços de mercado. Neste sentido, a contabilidade ambiental é sempre incompleta.
Desse modo, encontra-se em questão o dogma antropocêntrico da substituição do “capital” natural e do “capital” humano (conhecimento, tecnologia) pelo capital produzido pelo homem. Claramente, tal peripécia não é possível, pois as duas últimas modalidades resultam, direta ou indiretamente, da primeira (o “capital” natural).
Do mesmo modo que a crítica ao paradigma do crescimento econômico e às alardeadas vantagens do comércio internacional,2 o estudo do bem-estar individual e social não pode ficar restrito a condicionamentos estritamente econômicos, como faz o pensamento econômico e político hegemônico. Para além da ênfase sobre a dimensão material do bem-estar, situam-se as dimensões culturais e aquelas relacionadas aos chamados serviços ambientais proporcionados pela Natureza, vale repetir.
São inúmeras e complexas as questões tratadas pela Economia Ecológica. Há questionamentos à mensuração de riqueza (Produto Interno Bruto) e aos conceitos de desenvolvimento sustentável. Interessam os problemas relacionados ao crescimento econômico e aos limites biofísicos; os significados de decrescimento; a crítica aos métodos de mensuração do bem-estar social. No mundo de hoje afloram questões relacionadas à justiça ambiental, racismo ambiental, ecologia para os pobres e o crescente passivo ambiental. Questionam-se os direitos de propriedade, a atual gestão dos recursos naturais, a política ambiental e a perda de biodiversidade. Ganham importância os indicadores que explicitem o tamanho da pegada ecológica (medida em termos de terra bioprodutiva ou de emissão de CO2), o balanço energético, o reconhecimento dos serviços ambientais e a valoração de impactos socioambientais.
A interdisciplinaridade fundamentada em várias áreas do conhecimento que privilegiam a vida das espécies, incorpora essas e outras preocupações ao contrapor o sentido corriqueiro de sustentabilidade econômica à sustentabilidade ambiental. Como se trata da vida, não se pode deixar de levar em consideração as relações entre as gerações atuais e futuras, o que traz mais um complicador para os gestores públicos na elaboração de políticas econômicas, sociais e ambientais.
De um lado, as futuras gerações, por não existirem, não têm nenhuma ingerência sobre o legado de acertos ou equívocos das atuais gerações. De outro, é preciso considerar as incertezas e a ignorância quanto aos efeitos sobre os vários ecossistemas, decorrentes de decisões tomadas no presente. Daí a necessidade de prudência. E, diante da ignorância e do elevado grau de incerteza, e pelo fato de os modelos econométricos, tecnocráticos e mecanicistas3 não serem capazes de dar respostas consistentes, impõe-se a orientação pela visão biocêntrica com a incorporação das dimensões ambiental, política e social, quando da abordagem dos problemas econômicos.
Diante dos direitos da Terra e das gerações; levando em conta as incertezas, a ignorância e a prudência, o significado de liberdade individual (livre escolha) terá que ser reinterpretado à luz de considerações ecológicas, em contraposição à ordem econômica da maximização da satisfação (subjetiva) individual, do lucro e da produção sem limites. A cultura do consumismo, que respalda a visão antropocêntrica da vida, também precisa ser questionada.
Não é preciso que se tenha a sensibilidade humana aguçada. Um pequeno esforço, no sentido da elevação da consciência ecológica, será suficiente para perceber que com esta nova área abre-se um campo do conhecimento profundamente fértil.
A ampliação de perspectiva sugere a necessidade de que economia, sociedade e ambiente formem uma unidade com a adoção da lógica vital inerente aos fluxos de energia e matéria (origem, acumulação e uso) e a capacidade da Terra de absorver resíduos. Evidentemente, sem nunca esquecer que a espécie humana é apenas uma dentre muitas. A Economia Ecológica tem como um de seus objetivos reunificar as esferas da economia, da política, da cultura e do ambiente, de modo que sejam percebidas como necessárias ao desenvolvimento ecologicamente sustentável de todas as espécies vivas.

Um breve histórico da Economia Ecológica
Em 1989, surge a Economia Ecológica com o intuito de apresentar uma nova proposta que considere a economia como subsistema da Natureza. De fato, este novo campo do conhecimento começou a ser estruturado em 1987, quando na conferência realizada em Barcelona, veio à tona a insatisfação de economistas e cientistas naturais no que se refere à utilização dos recursos da Terra. Contudo, foi a criação da Sociedade Internacional de Economia Ecológica, em 1989, que demarcou do surgimento deste novo campo do conhecimento.
Pode-se dizer que a Economia Ecológica ganha status de campo do conhecimento com as contribuições independentes de Kenneth E. Boulding, Herman E. Daly, Robert Ayres, Allen Kneese e, principalmente, de Nicholas Georgescu Roegen (1906-1994). Este pensador denominava este novo campo por Bioeconomia. O princípio norteador era a ideia de que a Natureza é um limite externo para o processo econômico e os danos causados pela utilização acelerada dos bens comuns são irreversíveis. O pensamento de Georgescu contrapunha-se ao que apregoava a economia convencional, pois chamava a atenção para a necessidade de que os limites impostos pelo ambiente fossem respeitados.
Na história do pensamento econômico Nicholas Georgescu Roegen destacou-se por fazer questionamentos aos fundamentos da teoria econômica neoclássica. Ao seu lado estava Joseph A. Schumpeter, economista consagrado das primeiras décadas do século XX, que tentava explicar o mecanismo de mudança no capitalismo de maneira oposta aos rumos que a economia estava levando no período. O apoio de Schumpeter foi crucial para o desenvolvimento do trabalho de Georgescu.
Assim, no ano de 1966 Georgescu preparou uma coletânea de seus artigos escritos entre os anos de 1936 e 1960, intitulada Analytical Economics. A introdução de referida coletânea extrapolou barreiras epistemológicas para além das fronteiras da economia. Como resultado importante, chegou à conclusão de que muitas questões com as quais os economistas se deparavam não eram específicas apenas da economia, mas vinculavam-se às ciências físicas. Georgescu procurou mostrar na introdução de seu trabalho que a utilização de números não era suficiente para as mudanças nos sistemas. Neste mesmo trabalho fez uma de suas críticas mais importantes à economia neoclássica, comparando o paradigma econômico vigente a um fenômeno da física mecânica.
O livro mais importante escrito por Georgescu é intitulado de The Entropy Law and the Economic Process, que confere ao seu autor a característica de ser o estudioso que mais contribuiu para a construção da Economia Ecológica. A obra apresenta a diferença existente entre a física mecânica, apreciada pela economia neoclássica, e a segunda lei da termodinâmica, a lei da entropia, que é considerada pelo autor como evolucionária e serve como base para a Economia Ecológica.
A Economia Ecológica procura adotar uma postura diferenciada da economia convencional, buscando uma forma de interação sustentável entre o sistema econômico e o ambiente. Os teóricos desta nova proposta de economia concluem que a eficiência da relação entre economia e ambiente só será possível se a economia desvincular-se do preceito de que é uma disciplina independente das demais. Desse modo, a Economia Ecológica encontra na interdisciplinaridade uma nova forma de perceber como os seres interagem com o ambiente. Daí a importância das ciências naturais e agrárias, bem como da Geografia, da Antropologia, dentre outras, para compor esse vasto campo de pesquisa interdisciplinar.
O campo de pesquisa da Economia Ecológica é tão amplo que pode envolver questões relacionadas aos direitos da Terra, conflitos ambientais, direitos dos povos tradicionais e justiça ambiental. É uma nova maneira de perceber as relações entre o processo econômico e o ambiente em que se desenrola. Sua grande virtude é trazer para o centro da discussão assuntos pertencentes a distintos campos do conhecimento, procurando mostrar a necessidade de uma grande área, ou novo paradigma, que muito bem poderia ser denominado de Ciências da Vida.



Referências bibliográficas:

1) DALY, Herman e FARLEY, Joshua (2004). Economia Ecológica – Princípios e Aplicações. Instituto Piaget (Lisboa).

2) GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas (2008). O DECRESCIMENTO: Entropia ■ Ecologia ■ Economia. Instituto Piaget, Lisboa-Portugal.

3) _____________________ (2007). Ensayos Bioeconómicos. Ediciones del Genal, Madrid-España.

4) HAUG, Wolfgang Fritz, Crítica da estética da mercadoria (1997). Tradução de Erlon José Paschoal e colaboração de Jael Glauce da Fonseca, Fundação Editora da UNESP, São Paulo.

5) PORTO, Marcelo Firpo e MARTINEZ-ALIER, Joan (2007). Ecologia política, economia ecológica e saúde coletiva: interfaces para a sustentabilidade do desenvolvimento e para a promoção da saúde. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 23 Sup 4: S503-S512.

1 Em uma entrevista ao jornal britânico The Guardian, Jim Yong Kim, presidente do Banco Mundial, disse que acredita que as batalhas por alimento e água devem eclodir dentro de cinco a 10 anos, devido aos efeitos das mudanças climáticas. Ver https://mail.google.com/mail/u/0/#inbox/145416da91fba7c7. Acesso: 8 de abril de 2014.

2 Neste século XXI, o Brasil vem se notabilizando como exportador de mercadorias diretamente baseadas em recursos naturais. Segundo PORTO e MARTINEZ-ALLIER (2007), “os produtos do agronegócio, da mineração e da siderurgia, setores de especial relevância na exportação brasileira” têm “por de trás de cada tonelada exportada vidas humanas, recursos naturais e ecossistemas afetados”. Para o pensamento político neoliberal estas questões são secundárias, pois o mais importante é a contribuição do comércio internacional para o crescimento econômico. Os autores concluem que, as dimensões econômicas do comércio internacional têm estreitas relações com aquelas de natureza ética, política, ecológica e sanitária.

3 Para Georgescu (2008: 68), “Esta abordagem conduziu a uma proliferação de exercícios com “lápis e papel” e a modelos econométricos cada vez mais complicados servindo apenas, com muita frequência, para mascarar as questões mais fundamentais. ” Conclui dizendo que: “A verdade é que o processo econômico não é um processo isolado e independente”.


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