O NIILISMO PETISTA É OUTRA COISA
Uribam Xavier
Ao ser questionado sobre Operação Porto
Seguro, operação que, em dezembro de 2012, apurava um esquema de venda de
pareceres técnicos do governo em favor de empresas privadas, Lula disse que, no
Brasil, se discute muita bobagem, que se inventa muita mentira para atingir o
governo, e que a sociedade e a imprensa deveriam discutir a coisa mais
importante ocorrida no país em todos os tempos, que foi o fato de, durante a
sua gestão, milhões de pessoas terem saído da situação de miséria. Agora, no
dia 16 de maio de 2014, véspera da abertura dos jogos da copa do mundo, ao ser
questionado sobre a mobilidade urbana para se chegar aos estádios, Lula disse
que é uma babaquice dar condições de primeiro mundo a torcedores da copa. Disse
Lula: “nós nunca tivemos problemas em andar a pé. Vai a pé, vai descalço, vai
de bicicleta, vai de jumento, vai de qualquer coisa. Mas o que a gente está
preocupada é que tem que ter metrô, tem que ir até dentro do estádio. Que
babaquice é essa?”.
É um fato estarrecedor e lastimável que um homem público se negue a
prestar contas de seus atos e ainda ache que o que ele fez de relevante é
suficiente para que ele possa fazer o que quiser, como, por exemplo, ser o
facilitador e cúmplice de corrupção sem ser atingido ou desmoralizado. É triste
assistir um homem público fazer deboche diante de uma situação de desmando da
qual ele é responsável, agindo como se
não fosse dele a responsabilidade ou como se aquilo que ele fez de positivo fosse tão grandioso que não
precisasse mais responder por seus erros.
A postura de Lula e do PT tem semelhança
com o período da Ditadura Militar, quando o desempenho da economia atingiu o
chamado milagre brasileiro e os generais mandaram um alerta aos críticos do regime:
“Brasil, ame-o ou deixe-o”. Os militares, imitados agora pelos condenados no
caso do mensalão, sempre se recusaram a responder pelos seus crimes [corrupção,
tortura, desmando administrativo] por acreditarem estar corretos e por crerem
ter construído um país desenvolvido, um país, como eles diziam, que vai pra
frente. O PT faz propaganda na TV dizendo que o Brasil vai ter que ir para
frente. Para os militares, a oposição ao regime queria o atraso, diziam até que
o país era uma democracia.
O comportamento de Lula, além de
comprovar o declínio do homem público, transforma a definição de niilismo dada
por Nietzsche – “nada é verdadeiro, tudo é permitido” – em protofascismo. Por
quê? Porque é uma definição que só pode ser usada por petista, não serve para
ser usada pelo STJ, não serve para imprensa, não serve para oposição e nem para
os críticos do governo. Assim, todos os atos do governo e de seu partido são
permitidos, mesmo a corrupção; porém, as denúncias contra a imoralidade pública
cometida pelo governo não são verdadeiras, são coisas de golpistas ou da velha
direita querendo voltar ao poder. Nunca se admite que tenha uma base material
real e descontentamentos concretos. Desconsidera-se, ainda, que exista uma
crítica radical, sistêmica, que rejeita tanto o capitalismo do
neodesenvolvimentismo [do PT e aliados] quanto do neoliberalismo [do PSDB e
aliados]. Não se admite que possa se ter uma crítica comprometida com uma
política orientada por uma fundamentação ética.
O protofascismo petista se fortalece
como dogma religioso da predestinação, “o eleito [Lula] é justificado em tudo
que faz, pois não passa de um instrumento nas mãos de Deus”, ou de uma
ideologia política para tirar milhões de indivíduos da situação de miséria. Tal
feito isenta o eleito de responder pelos crimes cometidos. O eleito pode
praticar mensalão para se perpetuar no poder, pode criar cargo de chefe de
gabinete em São Paulo para sua amiga íntima realizar tráfico de influência
junto à presidência da república e, ainda, pode se achar incomodado com a
ousadia dos que querem que ele pague pelos seus crimes.
O comportamento petista, imitando os
governos passados, é autoritário porque tenta anular a liberdade política
baseada na igualdade dos cidadãos de participarem das coisas do governo, de
quererem ser cogestores da coisa pública, pedindo transparência, prestação de
contas e punição para os atos de corrupção cometidos, e de fazerem oposição e
acumularem força para disputar o poder. O que se tem de forma explícita nesse
comportamento é que ninguém é livre, com exceção dos eleitos, para criticar ou
disputar o poder, pois desafiar o poder estabelecido é coisa de golpistas e
reacionários, é uma forma de criminalização do partido. O niilismo petista é um
protofascismo social, reproduz e demonstra a falácia da possibilidade de uma democracia radical no capitalismo.
Uribam Xavier é professor do Departamento de
Ciências Sociais da UFC.
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