Telecomunicações: a entrega oculta
POR ANTONIO MARTINS
Escândalo: sem nenhum
debate com a sociedade, Congresso quer entregar às empresas telefônicas
infra-estrutura de 100 bilhões de reais, que deveriam devolver em 2025
Pela Coalizão de Direitos
na Rede
Sem promover um debate
amplo com a sociedade, o Congresso Nacional quer alterar a forma como são
prestados os serviços de telecomunicações no Brasil, reduzir o direito de
acesso a eles e abrir mão de uma infraestrutura fundamental para o
desenvolvimento do país.
No contexto da crise
econômica da Oi e para garantir privilégios às operadoras, tramita no Congresso
o Projeto de Lei nº 3453/15 que altera a Lei Geral de Telecomunicações (LGT).
Avança rapidamente, num Legislativo marcado pelo conservadorismo. Foi aprovado
hoje (9/11) na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. Poderá promover
uma das maiores transformações nas comunicações, radicalizando a privatização
realizada em 1998.
E o que está sendo proposto?
Redução das obrigações dos
contratos de telefonia fixa: se hoje existe uma rede razoavelmente extensa de
telefonia fixa no Brasil e o preço dos serviços é relativamente barato, isso se
deve ao fato de ela ser prestada em regime público de concessão, aplicado aos
serviços considerados essenciais para a sociedade. Isso inclui obrigações de
universalização e cobertura, continuidade na prestação dos serviços, rapidez na
instalação e modicidade tarifária (controle do preço das tarifas). Caso o
PL3453/15 seja aprovado, passaremos a um modelo de autorização, mais flexível,
com menos obrigações para as operadoras e direitos reduzidos para o consumidor.
Além de alterar o caráter essencial do serviço, essa mudança gera um impacto
econômico sobre o Estado e a população que não está sendo devidamente
quantificado.
Transferência da
infraestrutura pública para o setor privado: ao passar para um modelo de
autorização, quase toda a infraestrutura das redes de telefonia fixa, que
pertence à União e tem caráter estratégico por ser usada também para levar
conexão de banda larga, será “doada” para as operadoras. Em 2025, quando devem
terminar os contratos de concessão sem possibilidade de renovação, essas
empresas poderão transformar os bens reversíveis que são de propriedade pública
em investimentos privados. Estaríamos falando de um valor estimado em R$ 100
bilhões. O PL 3453/15 quer também quer regularizar práticas das empresas que
hoje são feitas à margem da lei. As operadoras já usam os recursos públicos da
tarifa do telefone fixo para investir na rede de internet, que são privadas,
uma forma de subsídio cruzado que é ilegal.
Proporcionalidade dos bens
reversíveis: uma parte significativa da internet que chega a diversas regiões
do país usa a infraestrutura de telefonia fixa, que no passado foi concedida às
operadoras sob um modelo público e que garante a reversibilidade dos bens, ou
seja, ao final do término do contrato os bens retornam à União. Com a
convergência dos meios de comunicação, em que as redes passaram a dar suporte a
diferentes serviços simultaneamente (telefonia fixa e internet banda larga),
essa infraestrutura acaba sendo usada para conexão de internet numa proporção
maior que o telefone fixo. O que está sendo proposto no PL 3453/15 é que agora
seja considerado reversível apenas a parcela que corresponde hoje ao telefone
fixo, uma porção bem menor do que foi concedido no contrato, permitindo que as
operadoras tomem para si toda infraestrutura que é pública. Um dos maiores
problemas é que nem a Anatel consegue calcular com precisão qual seria o valor
desses bens.
Flexibilização dos
contratos para áreas onde é constatada a concorrência: sendo que os critérios
para decidir se uma determinada cidade ou região tem um mercado concorrente
fica a cargo da Anatel. No entanto, a Anatel já demonstrou que é incapaz de
manter a competitividade do mercado. Segundo dados da própria agência, somente
no Estado de São Paulo, onde está concentrado mais de 45% do mercado de
telecomunicações, duas empresas concentram o market share da banda larga fixa:
Claro e Telefônica detém 80% do mercado.
Por que mudar a LGT?
Para o autor do projeto,
deputado Daniel Vilela (PMDB/GO), o atual modelo de concessão da telefonia fixa
representa um empecilho para o investimento em infraestrutura.
Ocorre que o prazo final
dos contratos de concessão se aproxima. Como os contratos não são renováveis, o
deputado acredita que serão reduzidos “os incentivos à ampliação e modernização
da rede por parte das concessionárias” e que isso resultaria na piora dos
serviços prestados aos usuários. O discurso é de que a flexibilização das
regras serviria de estímulo para as empresas a investirem mais no serviço de
internet, já que seriam desoneradas das obrigações relacionadas aos contratos
de concessão.
Na realidade, o que o
Congresso está tentando fazer é destinar recursos públicos para as empresas de
telecomunicações e desonerá-las do necessário investimento em infraestrutura de
redes sem garantias concretas de que isso se reverta em melhorias para os usuários.
Isso em um cenário onde as empresas como Telefônica (Vivo) anunciaram lucros
líquidos de 1 bilhão de reais por semestre em 2016.
A oposição da sociedade civil
Na última terça-feira
(25/10), durante a audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de
Cidadania (CCJC), organizações como Proteste, Intervozes e o Fórum Nacional
pela Democratização das Telecomunicações (FNDC) mostraram que o PL 3452/15 é
incoerente com outras disposições da Lei Geral de Telecomunicações de 1997, do
Marco Civil da Internet e da própria Constituição Federal.
Caso seja aprovado, o
resultado seria a entrega de mais de 100 bilhões de reais do patrimônio que é
de toda a população brasileira, e que não é verdade que se tratam de bens que
não são mais valorizados pelos usuários, já que hoje existe tecnologia que
permita o uso de pares de fio de cobre da telefonia fixa para o serviço de
banda larga.
Já a Anatel alega que o
regime privado é o que mais cresce no Brasil, usando o exemplo da telefonia
celular. No entanto, como argumentaram as organizações da Coalizão, isso não é
garantia de universalização, nem melhoria na prestação do serviço. Ainda, o
acesso deve ser considerado um direito de todos e, portanto, deve ser garantido
pelo Estado. Isso só seria possível em um regime público ou em um novo regime
jurídico de serviços essenciais aplicado à Internet banda larga.
Se um serviço de caráter
essencial é prestado unicamente no regime privado — algo
expressamente vedado pelos criadores da Lei Geral de Telecomunicações em 1997 — ,
coloca-se em risco o direito que a população tem de ter acesso a esse tipo de
serviço, pois relega a prestação aos interesses comercias da operadora. Se hoje
muitas regiões no interior do país não têm acesso à internet, isso se deve ao
fato de as empresas não terem interesse comercial em levar conexão a essas
áreas remotas, um dos efeitos perversos de medidas de desregulamentação como a
proposta pelo PL 3453/15. No mesmo sentido, caso uma empresa pare de operar no
país, a infraestrutura não voltaria mais para a União, não há garantia de
continuidade no oferecimento.
As alternativas que propomos
Em vez de acabar com o
modelo de concessão da telefonia fixa, afetando também a internet banda larga,
deveria ser implementado um modelo de regulação por camadas que
institucionalize o direito de acesso à internet e aos serviços de
telecomunicações.
A Campanha “Banda Larga é
Direito Seu!”, que reúne diversas organizações da sociedade civil preocupadas
com a universalização da internet, propõe que a camada de rede (infraestrutura
de redes de transporte), seja regulada no regime público, estabelecendo metas
de universalização e modicidade tarifária, enquanto a camada de serviços de
telecomunicações (oferta do acesso até o usuário final) seja um regime privado.
Além de dar suporte às
propostas da Campanha “Banda Larga é Direito Seu!”, a Coalizão Direitos na Rede
também propõe em uma nota divulgada aos deputados da Comissão de Constituição,
Justiça e Cidadania que:
sejam avaliadas as
inconsistências na relação dos bens reversíveis e nos procedimentos de controle
e acompanhamento desse bens conforme já foi indicado pelo TCU (ver relatório de
auditoria);
a Câmara dos Deputados
envolva a sociedade nas decisões técnicas sobre a Internet, sobre os serviços
de telecomunicações e sobre a universalização do acesso, e promova uma reforma
da LGT com foco no caráter essencial da internet;
que não sejam mais
propostas “soluções jurídicas ad hoc” e remendos legislativos para resolver
problemas das empresas de telecomunicações sem propor uma política global para
o setor, com respeito ao direito de acesso (ver texto de posição do Idec e
Ibidem);
o Ministério das
Comunicações (hoje fundido com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação)
retome o debate público sobre um marco regulatório para as telecomunicações,
tendo como método participativo a plataforma de criação do Marco Civil da
Internet;
o Comitê Gestor da
Internet no Brasil (CGI.br) esteja envolvido em qualquer reformulação da LGT
que afete o desenvolvimento da internet no país.
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