Sou matemático, por isso não jogo na loteria
Possibilidades de ganhar são tão pequenas que é
milhares de vezes mais provável morrer de acidente de carro
Casa lotérica em Becerril de la Sierra em 2015. SANTI BURGOS |
De vez em quando a televisão local de Vancouver, perto
de onde moro, pede minha opinião sobre um prêmio grande próximo, do 6/49 ou
7/49, que são os sorteios de loteria mais populares hoje em dia na América do
Norte. São parecidos com loteria espanhola La Primitiva: você compra um
bilhete, que custa dois ou três dólares, e tem de escolher uma sequência de
seis (ou sete) números entre 1 e 49, por exemplo: 23, 16, 12, 8, 35 e 41. Se
tiver a sorte de adivinhar os números certos na ordem correta você pode levar
para casa o prêmio, que varia entre 50 e 100 milhões de dólares (algo entre 160
e 320 milhões de reais).
Mas há um problema com este jogo: as probabilidades de
ganhar são tão pequenas que é milhares de vezes mais possível que você morra em
um acidente de carro do que se torne o feliz ganhador. De concreto, a
probabilidade de predizer todos os números na ordem correta é, mais ou menos,
de 1 em 14 milhões para o 6/49 e 1 entre 80 milhões no 7/49. Assim, é difícil
imaginar números tão grandes, e por isso costumo usar imagens que ajudam a
entender o que significa, o que os repórteres de televisão adoram. Uma vez usei
a lista telefônica de minha cidade: imagine que você tivesse 150 listas
diferentes. Se comprar um bilhete, suas possibilidades de ganhar na loteria são
as mesmas de, ao acaso, escolher a lista em que está seu nome, abrir na página
certa e apontar exatamente seu telefone. Se comprar outro bilhete, tem outra
oportunidade.
Apesar de muita gente se surpreender, todos os bilhetes
têm a mesma probabilidade de sair: aquelas opções “especiais”, como 1, 2, 3, 4,
5 6, e as (aparentemente) mais “normais”, como 41, 19, 3, 23, 29, 31. No
entanto, como as pessoas têm menos propensão a colocar esses números
“especiais”, é melhor estratégia apostar neles: se saírem, o prêmio seria
repartido entre muito menos gente (até pode ser que você fique com tudo para
si). Da mesma forma, as pessoas costumam jogar números que indicam dias e meses
com muita frequência, e por isso, se saem, dividem prêmios menores e é
conveniente desprezá-los.
Um colega me disse uma vez que a loteria é o imposto da
ignorância. Mas não tenho tanta certeza. Gosto de pensar que as pessoas compram
esperança. Se você gasta dois ou três dólares na esperança de ganhar o prêmio
maior, é uma forma pouco custosa de manter o otimismo e olhar para o futuro.
Pessoalmente obtenho minha esperança de outras fontes, então não preciso jogar
na loteria.
Se você pensar que gastou 20 euros para se poupar do
desgosto de não ter comprado o bilhete, o número premiado sair e todos os seus
colegas ficarem ricos menos você, talvez compense
Também se pode pensar no custo em outros termos: os da
utilidade. Por exemplo, quando se faz um “bolão” no escritório, se você pensar
que está gastando 20 euros pela esperança baseada na mínima probabilidade de
ganhar o grande prêmio, não é um valor muito realista; mas se pensar que está
gastando 20 euros para se poupar do desgosto de não ter comprado o bilhete, o
número premiado sair e todos os seus colegas ficarem ricos menos você, talvez
compense. A Teoria da utilidade é um ramo da Economia para a qual matemáticos
importantes como Von Neumann, Laplace e Bernoulli fizeram contribuições; e que
pretende quantificar a capacidade de um bem ou serviço de satisfazer as
necessidades humanas, de um indivíduo ou coletivo. Sobre ela se baseia o
desenvolvimento das teorias da decisão.
Cada país tem seu próprio sistema de loteria, alguns muito
simples e outros mais complicados. Na Espanha há a famosa Loteria de Natal,
desde 1812 — é a loteria organizada há mais tempo no mundo. Em 2015 o grande
prêmio foi de 720 milhões de euros (mais de 2,5 bilhões de reais), e as
possibilidades de ganhar são tão remotas quanto em qualquer outra loteria, de
concreto 1 entre 100.000, desde 2011; de 2005 a 2010 eram 85.000 números: de
00000 a 84999, e por isso a probabilidade de ganhar diminuiu nos últimos anos.
Em qualquer caso, tenho certeza de que isso não vai convencer todos que compram
bilhetes de loteria a deixarem de fazê-lo. Vale a pena pagar algumas moedas
para melhorar as esperanças, e ainda mais perto do Natal.
FONTE. EL PAÍS/ EDIÇÃO BRASILEIRA
Florin Diacu é catedrático de Matemática da
Universidade de Victoria (Canadá) e autor de livros de divulgação científica
como o premiado Megadisaters--The Science of Predicting the Next Catastrophe,
publicado pela Princeton University Press.
Café y Teoremas é uma seção dedicada à matemática e
temas afins, coordenado pelo Instituto de Ciencias Matemáticas (ICMAT), na qual
pesquisadores e integrantes do centro descrevem os últimos avanços dessa
disciplina, compartilham pontos de encontro entre matemática e outras
expressões sociais e culturais, e lembram quem marcou seu desenvolvimento e
soube transformar café em teoremas. O nome evoca a definição do matemático
húngaro Alfred Rényi: “Um matemático é uma máquina que transforma café em
teoremas”.
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