“Eu posso vender. Quanto você dá?”
Bancada ruralista no
Congresso define suas prioridades para 2017. As primeiras: permitir
transferência de terras a estrangeiros, descaracterizar trabalho escravo e
bloquear demarcações indígenas
Por Tiago
Miotto, no CIMI
Em mais uma de suas
reuniões-almoço realizadas em Brasília, na última terça-feira (4/10), a Frente
Parlamentar Agropecuária (FPA) pautou em seu “cardápio” a aprovação do Projeto
de Lei (PL) 4059/2012, que pretende liberar no território brasileiro a compra
de terras por empresas com capital estrangeiro.
Na avaliação dos
movimentos sociais, este PL pode colocar em risco a soberania alimentar do
Brasil e aumentar ainda mais os conflitos no campo e a pressão sobre os
territórios dos povos indígenas e comunidades tradicionais, já afetados pelo
modelo destrutivo do agronegócio.
O projeto de lei de 2012 é
parte da “pauta positiva” da bancada ruralista para o biênio 2016-2017 e,
exceto para os grandes proprietários de terras, de positiva não tem nada.
Apresentada pelos
ruralistas como moeda de troca pelo apoio ao processo de impeachment de Dilma
Rousseff, a pauta também exige, entre outras coisas, a flexibilização do
conceito de trabalho escravo contemporâneo, para legalizar a superexploração de
trabalhadores e trabalhadoras no campo, e a PEC 215/2000, que pretende
transferir a competência da demarcação de terras indígenas do Executivo para o
Legislativo e, na prática, inviabiliza as demarcações e coloca em risco as
terras já demarcadas.
O escopo do PL 4059/2012 é
regulamentar o artigo 190 da Constituição Federal, que dispõe sobre a venda de
propriedades rurais brasileiras para estrangeiros. Atualmente, um parecer da
Advocacia-Geral da União (AGU), de 2010, veda esta prática.
No artigo “Ruralistas
entreguistas: a desnacionalização do território brasileiro”, o secretário
executivo do Cimi, Cleber Buzatto, aponta a contradição do discurso ruralista,
que costuma denunciar as demarcações de terras indígenas e as organizações
apoiadoras dos povos originários como movidas por escusos “interesses
internacionais”.
“Como está evidente, o que
realmente interessa aos ruralistas é ‘parecer’ nacionalistas e usar o argumento
do risco à desnacionalização do território brasileiro de modo sofista em defesa
dos interesses de apropriação privada, inclusive das terras indígenas, seja por
eles próprios, seja por representantes do capital internacional”, afirma o
artigo.
Em agosto, diversos
movimentos sociais manifestaram-se contra o PL 4059, afirmando que “vender
terras públicas significa vender biodiversidade, água, bens naturais, subsolo e
o controle de nosso território ao capital estrangeiro. A venda dessas terras
vai beneficiar somente o grande capital nacional e transnacional. Isso
significa nenhum benefício para agricultura do país, para a produção de
alimentos saudáveis, para a preservação dos recursos naturais, ou para nossa
economia. Ao mesmo tempo em que abre a possibilidade de compra ilimitada pelos
estrangeiros, temos o direito à terra negado a milhões de brasileiros”.
Outro projeto que pode se
tornar ainda mais danoso com a aprovação do PL 4059/2012 é o Programa de
Desenvolvimento Agrário (PDA) Matopiba, criado em 2015 e capitaneado pela então
ministra da Agricultura, Kátia Abreu (PMDB), com a finalidade de expandir a
“fronteira agrícola” sobre o Cerrado.
Definido pelos povos
indígenas e comunidades tradicionais como um projeto de destruição, o Matopiba
compreende áreas dos estados do Maranhão (MA), Tocantins (TO), Piauí (PI) e
Bahia (BA), para as quais os ruralistas vêm buscando investimentos
internacionais. Atualmente, o Cerrado já sofre com o avanço do agronegócio e
pelo menos dez pequenos rios desaparecem por ano do bioma conhecido como “berço
das águas”, conforme salientou a Campanha Nacional em Defesa do Cerrado,
lançada na semana passada com o tema “Sem Cerrado, Sem Água, Sem Vida”.
Segundo a agenda
ruralista, a reunião desta terça (4) terá como pauta também a flexibilização do
licenciamento ambiental e a composição da nova Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) contra a Funai e o Incra, reaberta numa sessão que ocorreu de
madrugada, no final de agosto, enquanto a presidenta Dilma Rousseff defendia-se
no julgamento do processo de impeachment no Senado Federal.
A CPI foi reaberta sem que
sua versão anterior apresentasse sequer um relatório sobre as “investigações”
dos parlamentares, que vigorou por oito meses e foi prorrogada duas vezes de
forma unilateral pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB/RJ), e
uma vez pelo novo presidente, Rodrigo Maia (DEM/RJ).
Fonte.OUTRASPALAVRAS
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