A DEMOCRACIA COMO MODO DE VIDA
Por Uribam Xavier.
A democracia aparece nos
debates contemporâneos como uma ideia transtemporal, como modalidade particular
da encenação política, produzindo uma aparência de que todos os partidos
políticos, movimentos sociais e seus membros são democráticos. Porém, o que esse
fenômeno negligência é a dimensão experimental da democracia, o fato dela ser
inerente as lutas concretas, as disputas de interesses e as agonias da
conjuntura política.
Na realidade, nos
habituamos a identificar a democracia com suas formas e instituições
parlamentares cuja decadência ou crise só se torna visível no momento em que
elas são reduzidas a um papel decorativo e/ou são inundadas por processos de
corrupções. Todavia, o que caracteriza o exercício do poder não democrático não
é só a ausência de assembléias eleitas ou eleições sem fraudes, mas a
centralização do poder de decisão nas mãos de grupos econômicos que financiam
campanhas e privatizam a política, e, em conseqüência disso, cria se a
incapacidade de controle - por parte dos cidadãos, dos movimentos sociais e
partidos de oposição - sobre os órgãos públicos e instituições políticas que
elaboram, aprovam e aplicam grandes decisões que afetam a forma de organização
da sociedade, a natureza e a vida presente e futura de coletividades locais e planetárias.
O que caracteriza o poder
não democrático é a prática de submeter grandes projetos a consulta pública
para legitimar sua execução pelos os que estão no poder, mas sem que os que
participam do debate possam deliberar. Muitas vezes, são projetos cujos dados,
a partir dos quais as decisões são tomadas, estão ocultos pelo conhecimento
técnico de peritos e pelo segredo dos negócios. Como a democracia se sustenta
sobre a hipótese de que todos podem decidir a respeito de tudo, ela se choca
com a tecnocracia e com o segredo dos negócios.
Atualmente, a não
democracia se estabelece pelo processo de usurpação de poder, fenômeno que
desempodera os membros da sociedade, que não são profissionais da política, em
benefício dos que pertencem a “classe política”. É possível mudar esse
fenômeno? Claro que sim, mas se os que se profissionalizaram na política não
vão reinventar outro sistema, parece óbvio que ele terá que ser reinventado a
partir de uma pressão de fora para dentro. Essa pressão, todavia, não pode reproduzir
as velhas práticas autocráticas: montar esquemas para levar gente acarreada
para fazer maioria em plenárias, manter claques para aplaudir determinados
pronunciamentos, empregar falsas informações ou argumentos falaciosos apenas
para levar vantagem em uma disputa, transformar campanhas política em peça de
marketing, criminalizar a política, tratar o adversário como inimigo, etc.
Um novo exercício da
cidadania ativa deve adotar a democracia como modo de vida, tem que apostar nas
atitudes colaborativas dos serem humanos. A democracia como modo de vida não se
refere apenas, nem principalmente, ao bom funcionamento das instituições, mas a
uma atitude diante de todos os acontecimentos da vida cotidiana. É uma aposta
na capacidade de todas as pessoas para dirigir sua própria vida sem coerção e
imposições. Trata-se de um movimento constante de desconstrução da autocracia
na aceitação da legitimidade do outro.
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