Sem a Petrobrás, o país não volta a andar
O impacto do encolhimento
da Petrobrás nas cadeias naval e petroquímica é absolutamente devastador e pode
se tornar irreversível se algo não for feito urgentemente. Os estaleiros
brasileiros, por exemplo, já demitiram milhares de trabalhadores, e alguns
estão em estado pré-falimentar
por João Antônio de Moraes
Em texto publicado no Le
Monde Diplomatique Brasil (mar. 2015) discutimos os impactos da Operação Lava
Jato e da ofensiva midiática que a acompanhava (e acompanha) na política de
conteúdo local. Deixamos claro naquele artigo que, assim como todo brasileiro
que se preze, somos favoráveis à apuração de ilícitos e, se comprovados, à
punição dos culpados. Ressaltamos, porém, que nossa maior empresa deveria e
deve ser preservada, e estamos em luta para a defesa da Petrobrás e de nossa
nação.
A luta se intensificou, e
o capital internacional, articulado com as forças retrógradas do país,
escancarou seu papel na disputa política. Dessa maneira, apresentaremos nossa
visão sobre a situação atual da Petrobrás.
Após verdadeiro cerco e
boicote internacional imposto pelo mercado por meio da Price
(PricewaterhouseCoopers), que inexplicavelmente resolveu não chancelar o
balanço do terceiro e quarto trimestres de 2014 da Petrobrás, o governo foi
obrigado a trocar a diretoria e o conselho de administração da empresa, tirando
os ministros e colocando pessoas de absoluta subserviência ao mercado, uma vez
que a não assinatura da Price poderia significar a completa insolvência da
empresa naquele momento. Essa movimentação levou a Petrobrás a agir não mais como
uma empresa pública estratégica para nosso desenvolvimento, e sim como uma
companhia privada que procura resolver seus problemas financeiros
(endividamento) e dar lucro aos acionistas. Além disso, é evidente que esse
cerco encontrou ambiente propício em razão do preço internacional do óleo cru.
Atualmente, a empresa se
encontra refém do mercado e, apesar de a Operação Lava Jato apontar supostos
desvios de R$ 6 bilhões, ela se propõe a vender ativos e reduzir investimentos
em valores cem vezes maiores. Essas medidas trouxeram de volta à empresa o
clima de desmonte e sucateamento que vivíamos nos tempos do tucanato. Planos de
demissões voluntárias podem reduzir o número de trabalhadores de 65 mil para 40
mil; em 2002, éramos 32 mil trabalhadores.
Em seus balanços, a
Petrobrás tem aplicado desde 2014 premissas muito mais conservadoras que suas
concorrentes internacionais, os chamados impairment, que têm causado prejuízos
contábeis de R$ 22 bilhões (2014) e R$ 35 bilhões (2015), destruindo os
excelentes resultados operacionais obtidos.
Com relação à dívida
acumulada, a principal solução imposta pelo mercado – vendas de ativos
rentáveis – somente agrava o problema. Uma alternativa seria buscar fontes de
financiamento, como os bancos chineses, vinculadas ao cumprimento de produção
futura; é um tipo de saída muito melhor, mas que precisaria ser feita de
maneira mais planejada e estruturada, com atuação do próprio Estado brasileiro,
o que é efetivamente rejeitado pela atual gestão da companhia.
O impacto do encolhimento
da Petrobrás nas cadeias naval e petroquímica é absolutamente devastador e pode
se tornar irreversível se algo não for feito urgentemente. Os estaleiros
brasileiros, por exemplo, já demitiram milhares de trabalhadores; alguns estão
em estado pré-falimentar e outros já fecharam as portas.
No setor petroquímico,
nossos polos, à frente o de São Paulo, estão em extrema dificuldade por falta
de novos investimentos. Até mesmo obras como a Fábrica de Fertilizantes
Nitrogenados (Fafen), localizada em Três Lagoas (MS), que está 80% concluída, foram
paralisadas. Contudo, seu funcionamento é fundamental para nossa soberania
alimentar, livrando-nos da importação de fertilizantes nitrogenados.
O Complexo Petroquímico do
Rio de Janeiro (Comperj) e a Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, também
foram impactados. O primeiro recebeu mais de US$ 14 bilhões de investimentos,
tem 80% de sua obra concluída, porém se encontra paralisado. E a Refinaria
Abreu e Lima está operando apenas o primeiro trem (cerca de 50%); a segunda
parte também teve as obras paralisadas. A direção da Petrobrás diz que, para
concluir essas construções, vai procurar estabelecer parcerias, mas essa saída,
além de prejudicada pela retração do mercado internacional, pode ferir
interesses estratégicos de nosso país ao priorizar o mercado (capital privado e
internacional) em detrimento de nossa soberania energética.
Quanto ao pré-sal, por
enquanto não tivemos alterações, pois a empresa diz ser sua absoluta prioridade
nos próximos anos. Mas nós, trabalhadores, pensamos que até mesmo essa área
pode ser impactada pela saída de profissionais altamente qualificados
(geólogos, geofísicos, engenheiros e técnicos de diversas áreas) em virtude do
Programa de Incentivo ao Desligamento Voluntário (PIDV), lembrando que são
profissionais não disponíveis com facilidade no mercado, pois sua função exige
muitos anos de formação.
O Fundo Social do pré-sal
vem sendo formado e alcança valores próximos de R$ 7 bilhões (dez. 2015), mas,
certamente, a uma velocidade menor do que se a Petrobrás estivesse atuando a
plena carga, mantendo os investimentos previstos inicialmente. Para ter uma
ideia, no planejamento estratégico de 2013 a empresa projetava uma produção de 4,5
bilhões de barris em 2020; em 2016, esse número caiu para 2,8 bilhões. Ademais,
essa produção viria na maior parte do pré-sal e, assim, iria compor o Fundo
Social. A queda do valor do barril também contribuiu para diminuir o fundo,
sendo parcialmente compensada pela elevação do dólar.
Por fim, com o Projeto de
Lei do Senado de autoria de José Serra, o PLS 131/2015, a Petrobrás perderia a
condição de operadora exclusiva, o que talvez lhe permitisse planejar melhor
sua atuação e manutenção da tecnologia por nós desenvolvida. No entanto, o
maior prejuízo seria do Brasil, pois o PLS arranca do país a possibilidade de
aproveitar as imensas reservas do pré-sal em benefício de um novo ciclo
desenvolvimentista. O controle privado da operação do pré-sal determinará a
produção. Dessa maneira, empresas com sede estrangeira priorizariam compras em
sua nação de origem. Além disso, normalmente essas companhias colocam nos
postos de trabalho mais estratégicos trabalhadores nacionais, não permitindo
nosso acesso ao conhecimento e tecnologia. Também perderemos soberania energética,
pois pode haver exploração predatória, como a espanhola Repsol praticou ao
assumir os ativos da YPF argentina. Nossos vizinhos até hoje não se recuperaram
desse prejuízo e se veem às voltas com a necessidade de importação de insumos
energéticos. Outro risco sério de tirar da Petrobrás a condição de exploradora
exclusiva é sermos fraudados nos custos de produção (que o Estado tem de repor
em óleo para a operadora, assim como nos volumes produzidos). Ao longo da
história, existem inúmeros exemplos de nações que detiveram recursos naturais
em abundância, mas que, ao submeterem esses ativos a agentes econômicos
externos, foram literalmente surrupiadas, restando-lhes apenas o dano
ambiental, como ocorreu durante a atuação da Chevron no campo de Frade, no litoral
fluminense. Em 2011, após realizar uma perfuração predatória (acelerada e com
equipamentos ultrapassados), a petroleira norte-americana causou uma fissura e
um enorme vazamento.
Portanto, se não quisermos
repetir com o pré-sal a mesma tragédia de outros ciclos econômicos do país,
como os do pau-brasil e do ouro, quando perdemos o recurso natural e não
estruturamos uma nação desenvolvida e justa, precisaremos manter na íntegra o
modelo de partilha, com a Petrobrás como operadora exclusiva, e se possível aumentar
o controle da sociedade nessa área estratégica.
João Antônio de Moraes
*João Antônio de Moraes é
diretor de relações internacionais e movimentos sociais da FUP/CUT.
Ilustração: Daniel Kondo
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