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Uma feminista vê os EUA em mutação



Para Nancy Fraser, tanto Sanders quanto Trump escancaram, de pontos de vista opostos, crise da velha política. Já Hillary, candidata do establishment, expressa um feminismo sem visão social ou rebeldia
Entrevista a Mayra Cotta
Crise econômica. Desigualdade crescente. Polarização. Paixões políticas tomam as redes e as ruas. Discursos radicais ganham espaço e o desinteresse pelo velho modo de fazer política parece ser um dos únicos consensos. O futuro é incerto. Não, não é o Brasil. São os Estados Unidos – país que, imerso neste contexto desafiador, decide este ano quem será seu novo presidente ou presidenta.
Para falar de Bernie Sanders, Hillary Clinton e Donald Trump, dessa corrida eleitoral surpreendente e para analisar esse cenário a partir das questões de gênero, Mayra Cotta, mestre em Política, entrevistou Nancy Fraser, professora do Departamento de Filosofia e Política da New School, em Nova York. Fraser é feminista e seu trabalho é referência para o debate a respeito do nexo entre a desigualdade de gênero e classe. É inestimável sua contribuição para a discussão sobre os movimentos sociais de matriz identitária na contemporaneidade e que relações estes movimentos estabelecem com o modo de produção e os sistemas políticos vigentes.
Fraser analisa o efeito Trump, a ascenção de Sanders e seus muitos significados e o feminismo neoliberal de Hillary. E nos diz: o feminismo meritocrático que a candidata do Partido Democrata representa não quer desmantelar as hierarquias — mas apenas dar acesso às mulheres privilegiadas. Eis a entrevista.
Estas eleições estão desafiando os especialistas e as análises mais simplistas. O que você acha mais surpreendente em relação a elas?
Estas eleições estão se mostrando realmente notáveis por motivos que, acredito, ninguém poderia prever. Primeiro, ninguém poderia ter antecipado que Bernie Sanders, um autointitulado socialista democrático, estaria se saindo tão bem, ganhando tantas primárias e estados e dando tanto trabalho ao Partido Democrata. Segundo, do outro lado, ninguém poderia ter imaginado que Donald Trump teria tanto sucesso a ponto de representar a implosão do Partido Republicano.
Esse cara – que sequer tem uma longa história como republicano e vem inteiramente do setor privado – está conseguindo dominar a esfera pública. Ele está sempre no centro, conseguindo toda a atenção possível da mídia e gastando menos dinheiro com propaganda que qualquer um de seus adversários. Apesar de falar coisas horríveis, o apoio a ele continua, inclusive aumenta. Isto é muito surpreendente e notável: a incapacidade da elite do Partido Republicano de controlar seus eleitores. Um após o outro, os candidatos do establishment estão sendo derrotados.
De uma forma menos caótica, do lado democrata, o establishment também está tendo muita dificuldade de controlar seus eleitores. O movimento Sanders tem ímpeto e vida própria. Não importa quantas vezes eles digam “ele não vai conseguir ganhar” ou “não há chances”, as pessoas continuam votando nele. Certamente, é a campanha eleitoral mais impressionante que vimos neste país, desde há muito tempo.
Você acha que a ascensão de Donald Trump e Bernie Sanders nestas eleições aponta para uma crise mais severa das instituições formais de poder? A ideia gramsciana de “interregno” é aplicável a este momento da política americana?
Sim, eu acho que sim, apesar de ser mais óbvio do lado republicano. Há muito tempo, a elite do Partido Republicano vem basicamente usando a raiva da sua base, formada pela classe trabalhadora, para conseguir apoio a suas políticas profundamente desvantajosas para esses eleitores, incluindo cortes de impostos para os ricos, acordos de livre comércio e ameaças de corte a programas assistenciais, como o programa de seguridade social a aposentados. É como se agora eles estivessem vindo cobrar a fatura. Esses eleitores finalmente têm uma voz – uma voz populista, contra o “livre” comércio e os cortes de impostos para os ricos. Se o Partido Republicano vai conseguir se manter unido, qual será seu futuro, se haverá uma campanha de um terceiro partido, se haverá uma ruptura permanente – nada disso está definido.
O Partido Democrata não corre o risco de sofrer uma ruptura neste momento, mas também há uma espécie de revolta, especialmente da juventude e da classe trabalhadora. Dos dois lados, há revoltas contra as políticas neoliberais de distribuição regressiva que os dois partidos têm apoiado nos últimos anos. Apesar de os dois maiores partidos discordarem fortemente a respeito das chamadas questões de valores sociais – casamento igualitário, direito de escolha, liberdade reprodutiva e assim por diante – eles vêm na verdade trabalhando juntos para avançar na neoliberalização da economia.
Pela primeira vez, há uma revolta contra isso, que toma duas formas distintas: uma forma mais progressista e social-igualitária do lado democrático, e uma forma de direita populista nacionalista meio racista e xenofóbica, do lado republicano. Isso sugere, sim, o rompimento de uma certa configuração política que tem há muito tempo governado não apenas as políticas públicas mas também a opinião pública: uma combinação desta política econômica neoliberal com um verniz de progressismo multicultural, se os democratas estão no poder; ou com um multiculturalismo tradicional conservador nacionalista, se os republicanos governam. O enorme conflito tem sido sobre o que eu chamei de políticas de reconhecimento, enquanto há um conluio silencioso sobre as políticas de redistribuição regressiva.
Ao mesmo tempo, nós temos uma crise institucional da tática republicana de trancar a pauta no Congresso e o fracasso desse Congresso, controlado por republicanos, de tratar com respeito e deferência um presidente democrata negro. A Suprema Corte também está em uma crise de legitimidade, que talvez remonte a antes mesmo da morte de Antonin Scalia, para pelo menos o conflito Bush versus Gore, quando a corte basicamente deu as eleições em 2000 para alguém que teve menos votos. O sentimento de que a corte está politizada, polarizada e perdeu sua legitimidade, o sentimento de que a Casa Branca e o Congresso estão em conflito, o sentimento de que a maioria dos distritos são irrelevantes na disputa eleitoral – eles serão seguramente ou democrata ou republicano – tudo isso se soma e constrói um sentimento de que há muita coisa errada com o próprio sistema político.
Se você considerar outras tendências de crises borbulhando que têm a ver com questões ecológicas, econômicas e financeiras, você de fato sente que há algo como uma crise orgânica se desenrolando – ou pelo menos o que Gramsci chamou de crise de autoridade. O senso comum reinante não tem mais autoridade automática, mas não há um novo senso comum para substituí-lo. É nesse contexto que Gramsci escreve aquela poderosa declaração de que “a crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo, mas o novo ainda não nasceu.”
O que aparece no interregno é toda uma série de sintomas mórbidos e isto não é uma má descrição de como as coisas estão agora. É um cenário intenso de incertezas e caos. Eu sugeriria – como Gramsci provavelmente o faria – que esta situação não pode continuar indefinidamente. Alguma nova solução irá surgir, mas seria tolo tentar fazer qualquer previsão sobre o quê ou quando.
Você tem mantido um debate público intenso a respeito da luta por reconhecimento versus a luta por redistribuição, escrevendo que “o reconhecimento cultural desloca a redistribuição socioeconômica como o remédio para a injustiça e como o objetivo para  a luta política.” Você pode relacionar isso aos debates acontecendo neste momento entre Bernie Sanders e Hillary Clinton?
Sim, com certeza. Como eu disse antes, os Clintons arquitetaram esta reorientação do Partido Democrata do New Deal para o que eles chamaram de os “Novos Democratas”, por meio de uma organização chamada Conselho de Liderança Democrática (Democratic Leadership Council). Este foi o veículo que reorientou o partido – uma reorientação muito similar a do antigo Partido Trabalhista para o Novo Partido Trabalhista no Reino Unido. A ideia era que os democratas não poderiam mais ganhar eleições por meio da velha aliança do New Deal. Eles tinham de atrair os votos dos yuppies, da classe média alta e das corporações e eles tinham de fazer isso por meio da minimização da política de classe.
Eles tiveram de se aproximar do business e de Wall Street, desregulando tudo isso e se adaptando aos aspectos da política macroeconômica de Reagan. Mas eles tinham que tentar manter os antigos eleitores por meio do apoio às políticas progressistas de reconhecimento: assegurar o voto dos negros e das mulheres, garantir o voto dos latinos e o apoio dos direitos dos gays. Então, esta foi a estratégia democrata e seus arquitetos foram Bill e Hillary Clinton: usar as políticas de reconhecimento progressistas quase para disfarçar a regressividade das políticas de redistribuição, para garantir a manutenção dos eleitores antigos e ao mesmo tempo atrair esses novos eleitores.
Sanders está rejeitando isso. Eu não chegaria ao ponto de dizer que ele está retornando às políticas do New Deal, mas tem uma retórica muito mais igualitária e intensamente crítica da desigualdade econômica e da má-distribuição no país – “o 1%”, “a classe dos bilionários” e todas essas figuras de linguagem que estão onipresentes em seus discursos. Não há muito desacordo entre Sanders e Hillary sobre as politicas de reconhecimento, pois elas fazem muito parte do consenso progressista que há no Partido Democrata.
A grande questão é o voto dos negros, que têm se mostrado fortemente favoráveis a Hillary Clinton e contrários a Sanders, especialmente no Sul, uma vez que a discrepância não é tão evidente no Meio Oeste e nos estados do Norte.  Esse é o aspecto mais interessante e anômalo, porque é de se esperar que os negros sejam os apoiadores mais confiáveis do Partido Democrata, não apenas por conta das políticas de reconhecimento anti-racistas, mas também por conta das políticas distributivas progressistas. Claro que é sempre uma batalha ladeira acima a transferência de lealdade a um recém-chegado, um outsider, mas outros grupos o fizeram e os negros, não.
Como um candidato socialista pode se sair bem em uma “era pós-socialista”, como você caracterizou os atuais tempos políticos?
Eu acredito que há duas questões aí: o que significa o termo “socialista” na campanha de Sanders, para ele e seus apoiadores? E ainda, estamos numa era pós-socialista? Eu gostaria de responder essas duas questões.
No caso de Sanders, preciso dizer que a palavra socialismo está guardando um lugar, é quase um significante vazio. Se fosse possível dar um conteúdo concreto, seria mais ou menos a ideia de uma social-democracia robusta. Certamente, não está desafiando, de nenhuma maneira explícita, as estruturas de propriedade privada e os processo de acumulação privada que definem o capitalismo, o que normalmente é associado ao termo socialismo.
Outra expressão interessante que ele usa a toda hora é o chamado para uma “Revolução Política”. O que significa “revolução” aqui? Não significa “invadir o Palácio de Inverno”, não significa necessariamente a derrubada dramática e repentina das estruturas de propriedade e apropriação. Contudo, certamente significa tirar o dinheiro da política e tentar ver o que acontece quando se empodera os “99%” – ou como você quiser chamá-los – e se remove a pressão dos “1%”.
É notável o tão pouco de oposição que a palavra socialismo tem suscitado. Você esperaria que no país do macarthismo houvesse um clamor de absoluta perseguição anticomunista. Claro que há um pouco disso nos confins da terra da fantasia republicana, mas supreendentemente muito pouco. Algumas vezes, Hillary tentou fazer uns comentários que beiram perseguição anticomunista, mas ela teve de se retratar.
Isso é outro fato interessante sobre os tempos de hoje: o anti-comunismo realmente parece ser uma força bastante enfraquecida. Eu imagino que seja porque temos gerações de jovens e até de pessoas mais velhas para quem a experiência stalinista e mesmo a União Soviética é apenas uma memória, algo aprendido nas aulas de História. É uma época pós Guerra Fria de uma maneira muito definitiva. O termo socialismo não carrega mais o mesmo peso que carregava há 20, 30 anos, e isso é uma mudança importante. Bernie vem usando a palavra socialismo desde os anos 60 – ele é uma cara incrivelmente consistente. Mas agora o termo consegue repercutir de uma maneira que não era possível antes. Sempre quando perguntam a Sanders qual o significado da palavra, ele invoca a Dinamarca ou Suécia, mas esta é uma tática antiga, que não necessariamente aprofunda a questão.
É por isso que eu disse que a palavra socialismo está guardando lugar para o desejo por uma mudança estrutural na sociedade, mas uma mudança estrutural que as pessoas na verdade não conseguem entender, conceituar ou articular. Talvez o próprio Sanders não saiba ou não queira falar. Alguns de seus apoiadores estão simplesmente ignorando a palavra e se focando nas suas propostas, seu programa e sua retórica, mas outros são atraídos ao socialismo porque sugere algo mais radical, fora do universo político, que é muito fechado e foi imposto a eles.
Contudo, o conteúdo da palavra ainda precisa ser especificado, conforme o movimento se desenvolve, como eu espero que irá se desenvolver – minha esperança é que não se dissipe simplesmente quando o ciclo eleitoral acabar.
Agora, a segunda parte desta pergunta, que tem a ver com o que eu chamei, já há algum tempo, no anos 90, de “a condição pós-socialista”: isso ainda é uma descrição válida? Eu estou tendendo a dizer que não. Ainda precisamos ver e eu não posso dar uma resposta definitiva, mas, como eu disse antes, a Guerra Fria é tão letra morta que as pessoas estão insistindo em ter seus inimigos no sslamismo ou qualquer outra coisa que não o comunismo.
Eu sempre pensei que, uma vez que a União Soviética acabasse, um peso seria tirado da esquerda. Nós não precisaríamos mais dizer que “não somos como eles”, nós não seríamos mais colocados contra a parede tendo que nos justificar. Somado a tudo isso, há a crise do neoliberalismo.
Então, há uma crise de autoridade onde o antigo senso comum não mais se sustenta e não é mais simplesmente aceito. Então, coisas que antes estavam completamente excluídas conseguem realisticamente, sob as condições favoráveis, encontrar um jeito de entrar no universo político. Isso inclui o socialismo, mas também umas ideias bem horrorosas de direita que estavam mais ou menos excluídas. Então, eu tendo a achar que nós não temos necessariamente uma condição pós-socialista hoje, mas nós certamente temos o rompimento do senso comum neoliberal de uma maneira que deixa as coisas bem mais abertas.
As propostas de Hillary Clinton avançam na agenda feminista? Quais são seus limites e suas falhas? O que feministas no Brasil precisam saber sobre o feminismo de Hillary?
Eu vou deixar que as feministas brasileiras façam as comparações que acharem cabíveis a partir do que eu sei de uma perspectiva estadunidense. Hillary Clinton é a representante icônica do feminismo liberal hegemônico – e poderíamos até mesmo falar em feminismo neoliberal. Ela não é a pessoa que inventou a expressão, mas ela é quem usou a expressão “quebrar a parede de vidro” nas eleições de 2008. Ela é uma criatura de Wall Street e uma defensora do direito ao aborto e outras políticas antidiscriminatórias. Ela é famosa por fazer discursos na ONU sobre os direitos das mulheres e direitos humanos. Ela ficou famosa por declarações durante a presidência de Bill Clinton sobre como ela não iria “ficar em casa e assar biscoitos” e sobre ser “uma pessoa em si mesma em seus direitos”.
Estas são expressões de um feminismo meritocrático, focado numa ideia fraca de igualdade como oportunidades iguais para ir tão longe quanto teus talentos podem te levar, atravessando a parede de vidro e subindo na hierarquia corporativa, na hierarquia militar, sem questionar em nenhum momento as próprias hierarquias. Aquelas poucas mulheres talentosas devem ter condições de subir na hierarquia. Mas este não é um feminismo que de fato quer desmantelar as hierarquias; ele quer dar acesso às mulheres privilegiadas.
Hillary é uma excelente representante da esfera política que é paralela à Sheryl Sandberg na esfera corporativa. Sheryl Sandberg é a CEO do Facebook, que escreveu o best-seller Faça Acontecer. Em todo o país há rodas de leitura de mulheres, que  se juntam para ler este livro e entender como ser durona na sala de reuniões da empresa, como se focar na carreira e por aí vai. Clinton e Sandberg são gêmeas em um certo sentido. Mas nos dois casos trata-se de uma versão liberal, individualista e meritocrática de igualdade de gênero que não está de maneira nenhuma fazendo algo pela enorme maioria das mulheres: mulheres da classe trabalhadora, mulheres pobres, mulheres lutadoras da classe média e mulheres da classe média baixa que não têm a educação, o capital cultural e os recursos para se beneficiarem desta estratégia de “quebrar a parede de vidro.” E até mesmo pior: não é que elas apenas “fazem acontecer”, mas elas o fazem às custas de todo um estrato de outras mulheres, trabalhadoras precarizadas e mal-pagas, que frequentemente são negras ou imigrantes, que fazem o trabalho doméstico por elas, nas suas casas ou nas suas instituições.
Então, na minha opinião, as feministas deveriam apoiar Bernie Sanders. Ele pode não ser o mais devidamente sensibilizado de forma detalhada acerca de todos os aspectos de gênero, mas ele entendeu o todo: como as questões de reconhecimento interceptam as hierarquias sociais e as classes sociais. E pode até soar paradoxal – não apenas porque ele é um homem e ela é uma mulher, mas porque ele não é alguém que tem reivindicado o rótulo feminista de maneira dominante, como ela o faz – mas, mesmo assim, pelo tipo de feminismo que eu apoio, ele é o cara, o cara em quem votar.
Interessante perceber que o apoio a Sanders entre as mulheres abaixo dos 30 tem sido por volta de 80%. Há um argumento geracional no qual feministas da velha guarda estão criticando as mulheres jovens: “vocês não dão valor à igualdade de gênero, vocês ainda precisam lutar”.  Houve a declaração ofensiva de Gloria Steinem de que as mulheres jovens apenas querem estar onde os caras estão e os caras estão com Bernie Sanders – isso é muito insultante. Teve também a Madeleine Albright dizendo que há um lugar reservado no inferno às mulheres que não apoiam outras mulheres. É em parte uma questão geracional, mas também é uma questão de classe. Sanders tem enorme maioria entre as pessoas que ganham menos de US$ 50 mil ao ano, e Hillary tem os eleitores mais ricos.
A agenda mais moderada de Hillary é uma aposta mais segura que as propostas radicais de Bernie?
Isso é bastante complicado. Primeiro, porque nós não sabemos quem será o candidato republicano. Há pesquisas de opinião – mas sabe-se lá quão confiáveis – que mostram Sanders se saindo melhor contra Trump que Hillary – mas, de novo, quem sabe? Há pelo menos mais alguns fatores sobre os quais precisamos pensar. Um é o chamado fator entusiasmo. Há um enorme entusiasmo por Sanders, mas não por Hillary. Isso afeta o índice de abstenção, quantas pessoas de fato votam. Quanto mais pessoas votarem do lado democrata, maiores são as chances de ganhar as eleições. Então, há uma preocupação legítima sobre Hillary ser a nomeada – e ela provavelmente será – quantos dos apoiadores de Bernie vão de fato sair de casa para votar. Se as pessoas estão falando coisas do tipo “bem, eu vou votar nela, mas o farei tapando o nariz”, então várias coisas podem acontecer, que impeçam as pessoas de chegar até as cabines de votação.
A segunda questão é a possibilidade de haver escândalos escondidos, envolvendo Hillary, que podem emergir. Alguns destes escândalos têm a ver com o fato de ela ter usado sua conta privada de email enquanto era Secretária de Estado. Apesar de ela ter tentado sugerir que a direita estava tentando atacá-la, eu acho que muitas pessoas, incluindo eu, acham que isto é uma questão bem séria. E também tem a questão da Fundação Clinton e os US$ 25 milhões que recebeu da família real saudita. Houve verdadeiros conflitos de interesse enquanto ela era Secretária de Estado. Então, há coisas que ainda vão aparecer. Ela já tem a reputação de não ser confiável e de ser até mesmo desonesta.
Eu não tenho a resposta para a sua pergunta, mas eu estou pelo menos oferecendo alguns contra-argumentos sobre porque, talvez, ela não se saia melhor que Bernie nas eleições gerais. Nós não sabemos. Uma coisa eu posso falar sobre Bernie: claro, é um Socialista e isto pode prejudicá-lo, mas não há nada suspeito em relação a Bernie. Ele é o cara mais honesto que há e o mesmo não se pode dizer sobre Clinton.
Você está otimista em relação à campanha de Bernie Sanders?
Eu tenho de dizer que sim. Eu não quero dizer que estou otimista de que ele vá ser o candidato democrata – isto não parece ser muito provável. Eu não descartaria a possibilidade, mas eu não acho que as chances dele são boas. Mas eu estou muito otimista com o fato de ele estar se saindo tão bem na campanha, que as pessoas não estão escutando quando as elites dizem para elas “acabou, olhe para os números, ela já ganhou, nem tente mais, pare de fazer campanha.” As pessoas não estão dando ouvidos quando as elites falam que “ela é realista e nós não precisamos deste mundo de fantasia, cheio de coisas que jamais vão acontecer.” As pessoas não estão dando ouvidos a isso. Então, isso realmente mostra um nível de paixão e fome por algo diferente.
Isso é a melhor coisa que aconteceu neste país desde Occupy Wall Street. Obviamente, foi construído a partir de e reanimando parte daquele sentimento que formou o Occupy, que parecia ter desaparecido nos últimos 7 anos, mas que está agora se tornando visível novamente. Isso me deixa otimista com a possibilidade de estarmos à beira de criar um novo tipo de esquerda nos Estados Unidos. Se irá ganhar eleições, como irá se desenvolver, qual será a relação disso com o socialismo tradicional, ou se irá formar um novo partido político, quem sabe? Tudo ainda está completamente obscuro, mas eu acho que há razões para se estar muito feliz e otimista em relação a isso.
Mayara Cotta. Advogada,Feminista e Mestre em politica pela New School(EUA)



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