E se o Twitter fosse um bem comum?
Diante de
rumores sobre dificuldades financeiras da empresa, surge uma alternativa:
assumi-la coletivamente, transformando-a em experiência inédita de grande rede
social-cooperativa
Por
Rafael A. F. Zanatta
O Twitter
é um fenômeno no Brasil e no mundo. Seu impacto na cultura digital é
imensurável. O jornalismo, a política e o entretenimento foram profundamente
transformados pela interação em tempo real e pela comunicação rápida e leve da
microblogagem – frases curtas e impactantes, como gostaria Hemingway, em até
140 caracteres.
Alguns
números mostram que o Twitter é um gigante. Nos últimos seis anos, o número de
usuários ativos da plataforma saltou de 30 milhões para 300 milhões. Somente no
Brasil, que possui uma base de usuários mundialmente conhecida por sua sede
incansável de novos memes e zoeiras em tempo real, são 17 milhões de pessoas
conectadas à plataforma.
Há
rumores, no entanto, de que o Twitter está em crise.
Nos
últimos meses, o noticiário financeiro de Wall Street passou a especular que as
ações da empresa iriam despencar, pois não há mais um crescimento acelerado de
sua base de usuários e tampouco formas de grandes lucros à vista, para além da
propaganda direcionada e análise de dados. Os investidores e capitalistas de
risco – incluindo nomes conhecidos como Fred Wilson, Marc Andreessen e Joi Ito
– estão desapontados. Acionistas querem vender suas ações.
“O Twitter estaria à venda?”, cogitou a
Business Insider. Novamente, iniciou-se o rumor de que a Google – mais
precisamente a Alphabet – tomaria controle do Twitter por 50 bilhões de
dólares. Outros cogitaram que Microsoft e Apple seriam os novos compradores,
interessados nos metadados, conexões sociais e conteúdos produzidos pelas
massas.
Qual
seria o nosso papel, enquanto usuários do Twitter, nessa história? Simplesmente
acompanhar um processo de transição do controle acionário da empresa? Assistir
passivamente o modo como outros tubarões podem abocanhar a plataforma e o
produto de nossas interações virtuais?
Exista
uma alternativa ousada e pouco discutida na grande mídia.
E se o
Twitter se tornasse uma empresa de gestão coletiva, na qual os próprios
“trabalhadores digitais” assumem o controle? E se o Twitter se transformasse no
primeiro grande caso de uma empresa de tecnologia da “era Google” que realiza
uma transição para o formato de “cooperativa de plataforma”?
A
proposta do movimento “Internet of Ownsership”
A
provocação não é mera especulação teórica. O The Guardian publicou a proposta
de Nathan Schneider de conversão do Twitter em cooperativa na semana passada.
No texto, Schneider – que é um dos criadores do movimento “Internet of
Ownsership” – defende três alternativas iniciais para que isso aconteça, com
base em sugestões de visionários de diferentes locais do mundo.
A
primeira, sugerida pelo empreendedor social alemão Armin Steuernagel,
consistiria em criar uma nova empresa cooperativa e pedir que os usuários se
tornem acionistas, com direito a dividendos. Com 20% do capital para a compra,
já seria possível negociar um empréstimo. Seria então necessário criar um
sistema de “direitos de voto por engajamento”: aqueles que contribuíssem mais
para o valor da plataforma – como usuários ativos e funcionários da empresa –
teriam mais poder; usuários comuns e investidores teriam menos capacidade de influenciar
nos rumos do empreendimento. Seria possível também criar “golden shares” – uma
“ação de classe especial”, no jargão do direito societário – para que fundações
e filantropias tivessem poder de veto. Experiência semelhante ocorreu com uma
empresa de energia eólica na Alemanha chamada Prokon.
A segunda
alternativa, sugerida pelo especialista em mercado financeiro Tom McDounough,
seria fazer com que 1% da base de usuários do Twitter (3 milhões de pessoas,
que não é pouca coisa!) comprassem ações no montante de US$ 2.300,00 – o
equivalente ao direito de voto, segundo Tom – e votar em bloco para uma
transição para propriedade cooperativa, criando uma nova formatação jurídica
focada em governança coletiva. Schneider explica que o retorno financeiro poderia
ocorrer por uma taxa de inscrição de dez dólares por ano: “ao invés de dar um
cheque em branco para a empresa usar seus dados, você estaria disposto a pagar
uma taxa de copropriedade?”.
A
terceira alternativa cogitada é a utilização do equity crowdfunding –
instrumento de financiamento coletivo regulado pelo Jobs Act nos EUA e também
presente em poucos empreendimentos no Brasil, segundo regras da Comissão de
Valores Mobiliários – para que milhões de usuários comprem ações existentes ou
novas ações. Certamente existem limites para esse modelo, como restrições de
renda mínima para investidores e a preocupação com fraudes e riscos aos novatos
(o que justifica o “teto de investimento” de 10% da poupança da pessoa física,
em alguns países). Há, ainda, a questão colocada por Robin Chase: “os
acionistas atuais e empregados aceitariam esse tipo de transição?”.
Um
pequeno passo para grandes transformações
A
viabilidade e fragilidade dessas alternativas estão sendo discutidas neste
momento na plataforma Loomio, onde há um fórum específico para o debate sobre
cooperativismo digital e a campanha “Nós Somos o Twitter”. Qualquer um pode
fazer parte do fórum e debater como transformar o Twitter em uma cooperativa de
plataforma pioneira – por mais complexo e distante que isso possa parecer.
Aos
poucos, ativistas, advogados/as, agitadores/as e empreendedores com experiência
em cooperativas estão se juntando para contestar o modelo econômico das
empresas de tecnologia e sair da lógica de “retorno para investidores a
qualquer custo”.
Mesmo que
a iniciativa em torno de um “Twitter das pessoas” fracasse – diante da
imensidão dos valores, o peso dos gigantes do mercado financeiro por trás e as
disputas de interesse em jogo –, essa é uma oportunidade única para pensarmos
em democracia econômica.
Como
afirma Schneider, “o Twitter pode ser o alvo errado no final das contas, mas
outras opções irão surgir, e nós precisamos estar prontos com os mecanismos
financeiros certos para jogadas plausíveis de conversão cooperativa. Isso é
muito mais poderoso que essa campanha”.
FONTE. Rafael
A. F. Zanatta é pesquisador em direito e sociedades digitais. É mestre em direito
e economia política pela International University College of Turin e mestre em
sociologia jurídica pela Universidade de São Paulo, onde foi coordenador do
"Núcleo de Direito, Internet e Sociedade".
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