REDUÇÃO DE DANOS
Recentemente a USP angariou gordo financiamento do
Ministério da Justiça para desenvolver projeto visando debelar a dependência
química em cocaína com manipulação de maconha e ayahuasca, drogas leves, porém
ilícitas no país. O uso de drogas leves para diminuir,
aos poucos, a dependência de pesadas é rotina comum no tratamento psicossocial,
e, no caso em lume, a iniciativa não atrairia qualquer interesse de mídia se as
substâncias utilizadas para conter a cocaína não fossem drogas ilícitas,
segundo a legislação nacional. É justamente aí que o financiamento do governo
se torna precursor: não inaugura, mas legitima e oficializa o uso da redução de
danos como medida importante para a valoração da dignidade humana do usuário.
Em certos países, como Portugal e Reino Unido, seringas
utilizadas por usuários de drogas em estágio problemático são trocadas nas ruas
por descartáveis, por órgãos de saúde preocupados com a proliferação de
contágio, via sangue, de doenças como hepatite, turbeculose, AIDS, dentre
outras. O município de São Paulo também troca seringas, e, em várias
cracolândias de centros urbanos do país, articulações da sociedade civil
comutam latas por cachimbos de silicone, com semelhante preocupação preventiva
e profilática.
No Ceará, a Secretaria Especial de Políticas sobre Drogas
gerencia um contêiner, nas imediações do Oitão Preto, no Centro de Fortaleza,
que facilita banho, escovação e orientações gerais sobre atenção psicossocial a
um público de rua, de extrema vulnerabilidade social. Porém, o que deveria ser
um contêiner de redução de danos, não é, porque setores conservadores da
sociedade, ao invés de assimilarem a redução de danos como metodologia de
diminuição de riscos, de acesso mínimo à dignidade de vida, entendem-na como
estímulo à "drogadição". Dogmas a parte, já não estaria na hora de
iniciarmos a troca das nossas seringas, senão por preocupação, pelo menos por
compaixão com aqueles que diuturnamente rastejam à míngua dos olhares sociais
na iminência de um contágio irreversível?
Marcelo
Uchôa
Secretário
Especial Adjunto de Políticas sobre Drogas do Ceará
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