«Um feminismo nesses moldes não se pode dar ao luxo de
restringir-se às mulheres e ao movimento feminista. Tanto homens quanto
mulheres têm de compreender que ‘nossa’ sociedade é determinada pelo
patriarcado e pelo valor.» Por Demétrio Cherobini [*]
Em 1846 veio à luz um artigo de Marx que, infelizmente,
passou quase despercebido aos seus posteriores discípulos e críticos: Sobre o
suicídio, uma brochura de algumas dezenas de páginas que analisava situações de
suicídio, a maioria de mulheres, ocorridos na França, durante aquele período
histórico singular. O filósofo mostrava em seu texto como o capitalismo era uma
formação social que oprimia não somente os trabalhadores, mas indivíduos das
mais diversas origens e segmentos sociais. Entre as vítimas “não-proletárias”
levadas ao desespero e ao auto-aniquilamento pelas pressões da sociedade
burguesa, estavam, sobretudo, as mulheres. Na visão de Marx, era a opressão
sócio-político-econômica do capitalismo, articulada à, nas suas palavras,
“tirania familiar” (patriarcal) – que permitia aos homens tratar suas esposas
como objetos –, que levava as mulheres à trágica decisão de liquidar com suas
próprias vidas. O suicídio, nesse contexto, foi interpretado pelo pensador
alemão como uma espécie de protesto contra uma condição bárbara e degradante, e
por esse motivo deveria estar isento de todo e qualquer tipo de julgamento
moralista ou condenação preconceituosa. Para Marx, uma “sociedade” que pratica
atrocidades desse teor não merece nem mesmo ser chamada de sociedade, pois
“mais parece uma selva habitada por feras selvagens”. Esse artigo constituiu,
naquela época, numa crítica radical e sem concessões da subordinação feminina e
da natureza opressiva do tipo de organização familiar vigente na sociedade
capitalista. Em nosso tempo histórico, por sua vez, pode se converter em
material fecundo para instigar um rico debate sobre a relação das lutas
feministas com todos os outros movimentos organizados que têm por objetivo a
emancipação humana. Nesse sentido, então, vale a pena perguntar: de que modo
podemos entender a articulação que existe entre a ordem dominada pelo capital e
a opressão das mulheres?
Roswitha Scholz, filósofa alemã que se debruça sobre
tais questões há mais de trinta anos, tem muito a nos ensinar a respeito. De
acordo com sua teoria, no capitalismo, diferentemente de outros tipos de
sociedade, a formação do valor (que constitui, segundo ela, a essência da
relação-capital e que exige, pois, para sua efetivação, subordinação
hierárquica e discriminação material e psíquica) envolve sobretudo uma relação
sócio-psíquica específica, onde certas “qualidades, atitudes e sentimentos
avaliados como menores (sensualidade, emocionalidade, fraqueza de caráter e de
entendimento, etc.) são projetados sobre ‘a mulher’ e dissociados pelo sujeito
masculino, que se constrói como forte, realizador, concorrencial, eficiente e
por aí afora [grifos em negrito nossos]”. [1] Se essa teoria for correta, ela
está repleta de uma série de implicações políticas, tanto para os que lutam
contra a exploração do sistema do capital, quanto para os que buscam o fim da
opressão de gênero e da desigualdade prática que existe entre homens e
mulheres, pois demonstra que esses dois combates, para serem vitoriosos nos
seus propósitos, devem ser realizados de uma forma articulada e coerente.
Sigamos, pois, para nosso esclarecimento, o raciocínio sutil da filósofa.
Roswitha Scholz quer compreender a relação entre o
capitalismo e o patriarcado, entre a formação social onde predomina a produção
do valor e a violenta sujeição que os homens realizam sobre as mulheres. Com
esse intento, entabula uma profunda investigação a fim de verificar as várias
formas de expressão da dominação masculina nas sociedades ocidentais ao longo
da história.
O patriarcado é, para Scholz, uma criação cultural e
histórica. O patriarcado ocidental, ligado à forma-valor, teve sua origem,
segundo a filósofa, na Grécia antiga, e persistiu durante o Império Romano.
Nessas sociedades, as condições específicas vigentes fizeram surgir uma esfera
pública, que os homens tomaram como exclusividade sua.
“As mulheres atenienses viviam exiladas em casa, de
onde deveriam sair o menos possível. A principal tarefa da mulher era conceber
um filho; caso isso não ocorresse, sua vida teria sido em vão. A hipóstase da
nova esfera pública, que exigia a conduta abstrata e racional, andava de mãos
dadas com a degradação da sexualidade em geral. A ascensão do pensamento
racional associou-se já desde o berço à exclusão das mulheres. A esfera
pública, de que também fazia parte a formação cultural, necessitava (na figura
da esfera privada) de um domínio que lhe fosse contraposto, para o qual pudesse
olhar do alto de sua posição. O homem precisava da mulher como ‘antípoda’, no
qual ele projetava tudo o que não era admitido no âmbito público e nas esferas
adjacentes. Assim, já na antiga Atenas, a mulher era tida e havida na conta de
lasciva, eticamente inferior, irracional, intelectualmente pouco dotada, etc. –
atributos esses que permaneceram em vigor até à modernidade [grifos em negrito
nossos]”.
Na Idade Média, condições históricas diversas fizeram
com que desmoronasse a antiga diferenciação entre esfera pública e privada.
Scholz afirma que, na sociedade medieval, chegaram a subsistir mesmo resquícios
“semimatriarcais” no seio do patriarcado, especialmente entre as tribos
germânicas, onde as mulheres desfrutavam de uma espécie de “significação
mística”. A própria figura da bruxa não era vista de antemão como negativa,
pois considerava-se que, se a magia poderia resultar em algo “mau”, também era
capaz de produzir algo “bom”. Nesse período, a mulher era juridicamente
subordinada ao marido e podia até ser negociada como escrava ou cabeça de gado.
Mas, por outro lado, também tinha a possibilidade de dedicar-se ao comércio e
ocupar-se de um ofício fora do ambiente doméstico (isto na chamada Alta Idade
Média). Além disso, possuía ainda uma certa autoridade no interior da família e
tinha a chamada “última palavra” como administradora do lar.
No início da Idade Moderna, a condição das mulheres foi
dificultada drasticamente. Isso se deveu ao “renascimento” do antigo mundo
cultural grego e às respectivas mudanças nos fundamentos da sociedade.
“Embora os estágios evolutivos da Idade Média sejam
bastante diversos no que respeita às mulheres, sendo muitas vezes
contraditórios e avessos a uma imagem uniforme, podemos observar no início da
Idade Moderna que a situação das mulheres piorou a olhos vistos, como dão prova
as repressões por elas sofridas em todos os âmbitos sociais. Quanto mais se
desenvolvem uma esfera pública supra-regional, uma jurisdição estatal e uma
ciência institucionalizada, mais nítido se torna o papel marginal atribuído à
mulher [grifos em negrito nossos]”. (Becker, apud Scholz)
As transformações desse período já deixavam entrever o
capitalismo nascente e a conseqüente sociedade do valor. O “feminino” sofreu aí
uma campanha da aniquilação. Se na figura da bruxa, que se fez presente na
etapa histórica anterior, ela, a mulher/bruxa, mantinha uma relação “simpática”
com a natureza (e até fazia as vezes de natureza, em certo sentido), agora, com
o predomínio da racionalidade do homem moderno, tudo isso precisava ser
reconfigurado. Não que a mulher perdesse essa associação com o místico e o
natural. Mas, porque o próprio “natural” era concebido de forma diferente, como
objeto de domínio. Nesse contexto, evidentemente, também a mulher precisava ser
dominada. E a Igreja, por sua vez, contribuía enormemente para a sujeição do
feminino. Como explica Scholz.
“Não se tratava apenas do fato de os homens
expropriarem brutalmente a ciência medicinal empírica das mulheres; antes, o
que estava em jogo era um projeto fundamentalmente diverso de relacionamento
com a natureza. A fundamentação teórica é fornecida sobretudo pelo chamado
Malleus maleficarum (O martelo das bruxas), de 1487, redigido pelos padres H.
Kraemer e J. Sprenger. Pais da Igreja, poetas e pensadores antigos eram citados
no fito de tornar plausível a inferioridade da mulher e sua predisposição à
bruxaria e ao pacto com o demônio. Imputavam-se mais uma vez às mulheres
atributos como inconstância, concupiscência, raciocínio débil, extravagância,
perfídia e credulidade [grifos em negrito nossos]”.
A ética protestante, nesse período, também não foi nada
benevolente com as mulheres. Para Scholz, a Reforma se empenhou em domesticar a
mulher, fazendo com que ela levasse uma vida serena, amável, humilde,
controlada pelo patriarcado e encerrada “no claustro do casamento”. (Lutero
teria sido, nesse contexto, um dos principais responsáveis por tal concepção
acerca do feminino).
Já a era do Iluminismo, por sua vez, deu novo impulso a
essa “domesticação”. Apesar do fato de que alguns dos filósofos da época
defendiam o projeto de uma emancipação igualitária entre os gêneros, tais
concepções não foram capazes de se impor na prática, em virtude do peso do tipo
de processos sociais nos quais estavam inseridas, “a saber, a progressiva
socialização pelo valor”, como explica Scholz [grifos em negrito nossos]. Esse
tipo de socialização exigia, segundo a filósofa, uma certa diferenciação dos
papéis patriarcais entre os sexos, onde a mulher deveria destinar-se, “por
natureza”, a ser não mais que esposa, dona-de-casa e mãe.
Note-se que, desde o princípio da Idade Moderna, é
possível verificar a persistência e o acentuamento entre as esferas do público
e do privado e a restrição da atividade da mulher a este último domínio. Scholz
afirma que o período do Iluminismo, em especial, atribuiu a essa divisão uma
nuance peculiar: a polarização de caráter dos sexos.
“Na medida em que à mulher se imputavam novas
qualidades como passividade e emotividade (se bem que agora restritas ao
círculo familiar burguês) e ao homem, por sua vez, a ação e a racionalidade no
espaço público da incipiente sociedade industrial, ocorreu uma ‘polarização de
caráter entre os sexos’. A mulher e a família deviam converter-se em pólos de
oposição ao mundo externo cada vez mais dominado pela racionalidade
instrumental. Cabia à mulher não apenas ser uma dona-de-casa exemplar, mas
também tornar agradável a vida do marido com sua assistência, seus cuidados e
seu interesse. Essas tarefas adicionais representavam uma inovação. À diferença
dos primeiros patriarcados da Antiguidade, presos à forma-valor, em que o homem
ainda encontrava sua satisfação na própria esfera pública, elas são testemunha
do quanto a racionalidade patriarcal e do valor fugiu ao controle do homem
nesse meio tempo, do quanto ele depende agora de um ‘bem-estar doméstico’
propiciado pela mulher [grifos em negrito nossos]”.
No século XIX, as cisões entre o feminino e o masculino
e entre o privado e o público se aprofundaram. A “vocação” materna da mulher da
sociedade burguesa acentuou-se ainda mais. O sujeito feminino recebeu a tarefa
precípua de manter a família em equilíbrio, realizar os afazeres domésticos e
dar cabo de tudo que tivesse um cunho mais pessoal na vida conjugal, ao passo
que o homem, que tinha no âmbito público seu locus “natural” de atuação
realizadora, foi talhado para atividades produtivas em múltiplos campos:
ciência, tecnologia, cultura, etc. Este século, contudo, assistiu à
proliferação de vários movimentos feministas (muitos deles burgueses), que
exigiam a modificação das condições de existência das mulheres. Essas lutas se
prolongaram no século XX (especialmente em sua segunda metade) e deram a
impressão de que a relação entre os sexos estava a sofrer grandes mudanças, com
as mulheres transcendendo o espaço doméstico/privado no qual os homens as
queriam confinar a todo custo.
Ora, se pergunta Scholz: na contemporaneidade a
situação das mulheres estaria melhor? Aqui há que se ter um pouco de cuidado e
atenção para ir além do aparente e de suas conseqüentes conclusões
precipitadas. Para a filósofa alemã, o que se verifica hoje é, na verdade, uma
contradição muito mais aguda do que a que ocorria em épocas anteriores. Para
entender como isso se dá, é preciso que nos detenhamos brevemente sobre sua
teoria do valor-dissociação. De que trata, pois, tal formulação? Scholz parte
de uma compreensão crítica acerca das concepções de Marx sobre o que constitui
a essência do capital.
De acordo com o pensador alemão, o capital é um sistema
que se realiza pela valorização do valor. Para que esse processo ocorra,
mercadorias precisam ser produzidas e trocadas no mercado. Nesse contexto, é
uma condição sumamente necessária que as mercadorias tenham um valor de troca.
No mercado, as trocas de mercadorias só se realizam por valores equivalentes.
Ou seja, uma mercadoria só pode ser trocada por outra de mesmo valor. Mas o que
é que determina o valor de uma mercadoria? Para Marx, não é nenhuma
característica física capaz de satisfazer certa necessidade humana (isto é, o
seu valor de uso). O valor das mercadorias só pode ser formado pela presença
nelas de um elemento que seja comum a todos os tipos de mercadorias. E qual é
esse elemento? Numa palavra, o trabalho humano. Nas palavras de Marx (1978,
74-5),
“quando consideramos as mercadorias como valores,
vemo-las somente sob o aspecto de trabalho social realizado, plasmado ou, se
assim quiserdes, cristalizado. […] os valores relativos das mercadorias se
determinam pelas correspondentes quantidades ou somas de trabalho invertidas,
realizadas, plasmadas nelas. As quantidades correspondentes de mercadorias que
foram produzidas no mesmo tempo de trabalho são iguais. Ou, dito de outro modo,
o valor de uma mercadoria está para o valor de outra, assim como a quantidade
de trabalho plasmada numa está para a quantidade de trabalho na outra”.
Para gerar capital, o capitalista, em primeiro lugar,
vai ao mercado e compra matéria-prima, instrumentos de trabalho e força de
trabalho (que só pode ser fornecida por trabalhadores dispostos a vendê-la).
Esses elementos (que são todos mercadorias) possuem um certo valor determinado
(valor este que é definido pela quantidade de tempo de trabalho social passado
plasmado nessas mercadorias, inclusive na força de trabalho). Quando os
trabalhadores colocam em movimento esses meios de produção (os instrumentos de
trabalho e a matéria-prima), o produto que daí surge possui um quantum de valor
maior (porque no produto foram invertidas mais horas de trabalho social) do que
aquele presente nas mercadorias no início do ciclo. Este novo valor é trocado
no mercado por uma soma de valor exatamente equivalente à sua. Uma parte do
valor em dinheiro obtido pela venda da mercadoria é destinada a repor as
mercadorias originais (meios de produção e força de trabalho). A outra parte do
valor (o valor excedente, a mais-valia) é apropriada pelo capitalista. Como a
essência do sistema do capital é produzir valores para serem trocados no
mercado, subordinando para tal fim as próprias necessidades dos sujeitos
históricos (diz-se que o valor de troca subordina o valor de uso), ocorre que a
formação do valor passa a funcionar por si mesma, automaticamente, fazendo das
pessoas meros apêndices do processo de produção de mercadorias. É como se,
então, o próprio capital se tornasse o “sujeito” e as pessoas os “objetos”
desse circuito. (Mas como o capital não pode ser mais do que um pseudo-sujeito,
diz-se que, na verdade, a sua realização ocorre a partir de um processo sem
sujeito). A este fenômeno Marx denominou fetichismo. O movimento de produção do
valor é eminentemente fetichista, pois o capital adquire propriedades de
sujeito (se “humaniza”, isto é, passa a ser a fonte da atividade e a criar
imperativos práticos de ação) e as pessoas adquirem características de objeto
(se “coisificam”, isto é, viram objetos para o processo de produção de
mercadorias).
No geral, Roswitha Scholz concorda com essa concepção
de Marx, embora acredite que, no contexto contemporâneo, o trabalho abstrato
(que é o que gera valor de troca, ao contrário do trabalho concreto, que é o
que dá à luz valores de uso), esteja em “crise”. Isso não invalida, contudo, a
teoria de que o capital é essencialmente um mecanismo centrado na formação de
valor excedente. A filósofa acrescenta apenas que esse processo envolve
especificação sexual. Ou seja, é um determinado patriarcado que produz as
mercadorias e, nesse movimento, projeta sobre as mulheres certas
características que serão dissociadas da formação dos valores. Isto já era
visível no patriarcado grego (que mantinha atividades comerciais mercantis). E,
mais ainda, do Renascimento em diante, quando os processos que envolviam a
realização do capital foram novamente despontando no horizonte histórico e se
consolidando a seguir. É nesse sentido, como afirma Scholz, que
“o valor é o homem, não o homem como ser biológico, mas
o homem como depositário histórico da objectivação valorativa. Foram quase
exclusivamente os homens que se comportaram como autores e executores da
socialização pelo valor. Eles puseram em movimento, embora sem o saber,
mecanismos fetichistas que começaram a levar vida própria, cada vez mais
independente, por trás de suas costas (e obviamente por trás das costas das
mulheres). Como nesse processo a mulher foi posta como o antípoda objectivo do
‘trabalhador’ abstracto – antípoda obrigado a lhe dar sustentação feminina, em
posição oculta ou inferior –, a constituição valorativa do fetiche já é
sexualmente assimétrica em sua própria base e assim permanecerá até cair por
terra [grifos em negrito nossos]”.
Essa dissociação na formação do valor foi responsável
por uma divisão das esferas sociais entre público e privado, onde a primeira
foi tomada como o campo “natural” de atuação dos homens, e a última, das
mulheres. Na segunda metade do século XX, as mulheres conseguiram transcender
em parte a clausura do lar e do ambiente privado imposta a elas pelos homens.
Contudo, em nossos dias, onde, na visão de Scholz, a família tradicional
nuclear tende a se dissolver, as mulheres ainda aparecem numa condição que ela
chama de “duplamente socializadas”, isto é, responsáveis tanto pela família como
pela profissão. Isto significa que as mulheres ainda aparecem como as
principais responsáveis pelas atividades “reprodutivas” (próprias ao ambiente
familiar) e, juntamente com isso, têm de desempenhar atividades profissionais
nas quais ganham menos, recebem menos oportunidades de promoção e assim por
diante.
É exatamente por essa razão que, segundo a filósofa, é
errôneo dizer que em nossos dias o patriarcado se enfraqueceu. Para Roswitha
Scholz, ele, na verdade, se asselvajou, pois em nosso contexto, as mulheres,
que são “duplamente socializadas”, também são, por conseguinte, duplamente
oprimidas: ao venderem a sua força de trabalho e no âmbito doméstico. Vivemos
hoje, portanto, o período do asselvajamento do patriarcado.
Como superá-lo? Ora, se se entende que esse patriarcado
está relacionado com um tipo específico de atividade social, que tem na
realização do valor o seu fundamento, a superação da dominação de gênero exige
que se vá além exatamente desse modo de sociabilidade vinculada à produção de mercadorias,
à produção de valor. Nas palavras de Scholz:
“A fim de enfrentar a crise de modo produtivo, há que
se constituir uma ‘esquerda feminista’ que tenha consciência tanto subjetiva e
pessoal quanto objetiva e social do mecanismo de cisão [entre os gêneros]. Um
feminismo nesses moldes não se pode dar ao luxo de restringir-se às mulheres e
ao movimento feminista. Tanto homens quanto mulheres têm de compreender que
‘nossa’ sociedade é determinada pelo patriarcado e pelo valor. […] além disso,
é urgente a luta feminista de ambos os sexos contra as formas de existência
sociais, objetivadas e reificadas das cisões patriarcais produzidas pelo valor.
A superação do patriarcado é ao mesmo tempo a superação da forma fetichista da
mercadoria, pois esta é o fundamento da cisão patriarcal. O objectivo
revolucionário seria portanto um grau mais elevado de civilização, no qual
homens e mulheres sejam capazes de fazer pelas próprias mãos sua história, para
além do fetichismo e de suas atribuições sexuais [grifos em negrito nosso]”.
A teoria de Roswitha Scholz é, evidentemente, muito
mais rica e cheia de nuances do que esta exposição que fizemos. Fica o convite
para a leitura de seus textos, muitos dos quais estão à disposição, em
português, no site do grupo intelectual do qual a filósofa faz parte, o Exit.
Mais do que uma mera e imperfeita apresentação, este texto visou, sobretudo,
realizar um convite à leitura da obra desta insigne pensadora, que nos
recomenda que, tal como a crítica dos processos fetichistas do capital, também
a crítica à opressão de gênero deve ganhar um lugar central em nossa agenda de
lutas.
Notas
[*] Licenciado em educação especial (UFSM), bacharel em
ciências sociais (UFSM) e mestrando em Educação (UFSC).
[1] Todas as citações de Scholz que faremos aqui são do
texto indicado na bibliografia. Os grifos em negrito e sublinhado são de nossa
autoria.
Referências
MARX, Karl. Salário, preço e lucro. In MARX, Karl, Os
pensadores (Seleção de textos de José Arthur Gianotti). São Paulo: Abril
Cultural, 1978.
MARX, Karl. Sobre o suicídio. São Paulo: Boitempo,
2006.
SCHOLZ, Roswitha. O valor é o homem – Teses sobre a
socialização pelo valor e a relação entre os sexos. (1992)
Todas as imagens no artigo são esculturas da artista
Niki de Saint Phale
Fonte. Site PASSAPALAVRA
Fonte. Site PASSAPALAVRA
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