Por Vânia Oliveira
Em 1888, o naturalista Júlio Ribeiro choca a sociedade com a
obra “A CARNE”. Romance naturalista que abordou temas até então ignorados pela
literatura da época, como por exemplo, o amor livre, o divórcio, e a mulher
inserida na sociedade em um novo papel, o que escandalizou as famílias
tradicionais que proibiam suas jovens de ler a obra muitos do que adquiriam-na pediam segredo
sobre a aquisição da obra.
Mais que um mero escândalo sexual, o romance foi um dos
livros mais discutidos e populares do país e embora sejam encontrados alguns
exemplares antigos, estão mutilados, talvez por chocar de fato uma sociedade
hipócrita que por décadas lhe aprisionou á margem da grande literatura que o
compunha, pois a dita sociedade cegou e contaminou-se pelo obsceno do livro sem
se dar conta (a meu ver) do ápice da história: surge na literatura a mulher
independente em todos os sentidos.
O romance também foi um divisor de águas entre os leitores,
ao passo que alguns o desdenhavam, outros o promoviam ao fazerem críticas
exageradas em tom leviano. A obra então foi ganhando popularidade e até mesmo
aqueles que a repudiavam liam as escondidas, intencionado ter acesso ao
proibido que não lhes permitido.
Foi o
caso de tantas mulheres que sofreram julgamentos ferinos e até tiveram seus
casamentos desfeitos por causa da leitura de “A CARNE”, temática que implícita
manifestação sexual, sádica, ninfomaníaca, e pervertida de nudez e sexo. Foram
vários os críticos que o vetaram, dentre eles cito o mais categórico
Álvaro
Lins que em 1941, o classificou como uma obra de “mediocridade intelectual”.
Na minha enorme curiosidade sobre a proibição da obra, EM
1994,procurei-a na Biblioteca Pública Municipal de Jaguaribe, e qual foi minha
surpresa: 106 anos depois, eu já maior de idade embora facilmente confundida
com uma adolescente por se tratar de alguém “pele e osso, FUI PROIBIDA DE LER A OBRA.
Mas minha insistência convenceu à
senhora responsável e passei a ler na biblioteca, pois não me permitiu
emprestar. Descobri também através de relatos escondidos com amigos que num
município pertinho de Jaguaribe (me proibiram de dar maiores esclarecimentos)
um casal teria se divorciado porque a esposa leu a obra na época da sua edição.
Por muitos e exclusivos motivos, embora já tivesse lidos centenas de outras
tantas obras literárias,
A Carne, não poderia deixar de ser por mim escolhida
de fato e direito a obra inicial da PRATELEIRA DE LEITURA, por ser Lenita, uma
mulher que foi além da miopia enferma da sociedade e apesar de mascarada pelo
sexo, foi a importante heroína de um contexto social brasileiro e mundial.
RESENHA
O romance conta a história de Helena Matoso, carinhosamente
chamada de Lenita, mulher extremamente culta e bela que perdeu a mãe no parto e
aos 22 anos, após a morte do pai, foi morar numa fazenda do interior de São
Paulo, na residência do coronel Barbosa, que também já havia criado seu pai.
Lenita conhece os prazeres da carne nas mais diversas e sórdidas apresentações.
Desde o cheiro de sangue do escravo açoitado e seus gritos de dor, a cópula de
animais, dentre outras citadas no livro.
Mas seu desejo carnal se concretiza ao
conhecer Manuel Barbosa, filho do coronel, homem maduro, experiente e
conhecedor da vida. Manuel vivia trancado em seu quarto em meio aos seus livros
e periodicamente saia para longas caçadas.
Viveu por dez anos na Europa onde
foi casado com uma francesa, da qual se separa. Esse amor é marcado
de
encontros e desencontros, prazer e violência, desejo e sadismo, uma batalha
entre corpo e mente.
No decorrer do mesmo, Lenita encontra cartas de outras
mulheres guardadas por Manuel, o que leva a história a partir daí para um
trágico desfecho. Lenita sentindo-se traída resolve abandoná-lo e grávida de
três meses abandona-o e casa-se com outro homem.
Manuel não suportando, suicida-se, o que comprova o
resultado final do duelo entre a carne e a mente. No início os prazeres da
carne, no final os desenganos da mente.
Convido-os a ler a obra não de forma indigesta, como fizeram
os críticos, pelo contrário, leia A
Carne bem temperada e bem servida.
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