Por Lalo Leal
Nunca antes
na história o nível ético da imprensa comercial esteve tão baixo. Na ânsia de
derrubar a qualquer custo um governo eleito, mandou às favas valores consagrados
internacionalmente
Otavio Frias Filho, dono do grupo Folha, e o jornalista norte-americano Glenn Greenwald: diferenças numéricas e de conduta
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Assistimos
ao colapso do jornalismo comercial brasileiro. Nunca antes na história deste
país o nível ético de jornais, rádios e TVs esteve tão baixo. Na ânsia de
derrubar a qualquer custo um governo eleito democraticamente, as empresas de
comunicação mandaram às favas princípios e valores jornalísticos consagrados
internacionalmente. Causaram espanto em quem viu esse processo com olhar
estrangeiro. O jornalista estadunidense Glenn Greenwald, radicado no Brasil,
arregalou os olhos. Primeiro surpreendeu-se com a unanimidade da mídia
tradicional brasileira na defesa dos mesmos interesses, sem espaço para
divergências.
É dele a
melhor definição desse processo, ao comparar a situação real do Brasil com um
cenário hipotético dos Estados Unidos, no qual todos os meios de comunicação
adotariam a linha conservadora da Fox News. Para quem vive naquele país, ficou
fácil de entender. Por aqui, é mais difícil. A maioria da população se informa
pelo rádio e pela TV, que por sua vez ecoam o que dizem jornais e revistas, num
círculo fechado à controvérsia.
Do susto
inicial ao constatar essas evidências, o jornalista foi além e desvendou uma
das maiores fraudes já ocorridas na imprensa brasileira veiculada pelo jornal
Folha de S. Paulo, espetacularizada pelo programa Fantástico, da Rede Globo, e
disseminada por diferentes meios de comunicação. Greenwald, depois com o
importante complemento do jornalista brasileiro Fernando Brito, editor do site
Tijolaço, revelou a manobra operada por aquele jornal com a colaboração do seu
instituto de pesquisa, o Datafolha. Num domingo de julho, a Folha disse que 50%
dos brasileiros desejavam a permanência de Temer na presidência até 2018 e que
apenas 3% do eleitorado era favorável a novas eleições.
Diante
desses números surpreendentemente positivos para um governo tão impopular como
o de Temer, outro jornalista estrangeiro, Brad Brooks, correspondente-chefe da
agência de notícias Reuters no Brasil, também se assustou. Foi o primeiro a
perceber a discrepância entre aqueles números e a informação do próprio
Datafolha, dada em comunicado à imprensa, de que três em cada cinco brasileiros
preferem novas eleições.
Só que essa
informação sumiu até da página do instituto de pesquisa. Foi Fernando Brito
quem descobriu nos escaninhos da internet a versão original dos dados
coletados. Segundo Greenwald e Erick Dau, do site The Intercept, o que foi
encontrado na versão original do documento – aparentemente retirada do ar de
forma discreta pelo Datafolha – é de tirar o fôlego. Ficou comprovado que a
matéria da Folha era uma fraude jornalística completa.
Dizem os
jornalistas, no Intercept: “A pergunta 14, encontrada na versão original,
dizia: ‘Uma situação em que poderia haver novas eleições presidenciais no
Brasil seria em caso de renúncia de Dilma Rousseff e Michel Temer a seus
cargos. Você é a favor ou contra Michel Temer e Dilma Rousseff renunciarem para
a convocação de novas eleições para a Presidência da República ainda neste
ano?’ Os dados não publicados pelo Datafolha mostram que 62% dos brasileiros
são favoráveis à renúncia de Dilma e Temer, e à realização de novas eleições,
enquanto 30% são contrários a essa solução. Isso significa que, ao contrário da
afirmação da Folha de que apenas 3% querem novas eleições e 50% dos brasileiros
querem a permanência de Temer como presidente até 2018 – ao menos 62% dos
brasileiros, uma ampla maioria, querem a renúncia imediata de Temer”.
Mas a Folha
não ficou por ai. Escondeu também uma pergunta cujas respostas eram mais
favoráveis a Dilma. O Datafolha perguntou: “Na sua opinião, o processo de
impeachment contra a presidente Dilma Rousseff está seguindo a regras
democráticas e a Constituição ou está desrespeitando as regras democráticas e a
Constituição?” Apenas 49% disseram que o impeachment cumpre as regras
democráticas e respeita a Constituição, enquanto 37% disseram que não. “Como a
Folha pode omitir este dado tão surpreendente e importante quando,
supostamente, quer descrever a visão dos eleitores sobre o impeachment?”,
perguntam os jornalistas do Intercept.
Para
completar, o jornal embalou esses e outros números numa manchete de primeira
página que dizia: “Cresce o otimismo com a economia, diz Datafolha”. Trabalho
de propaganda para pôr no chinelo as ideias e frases dos mais renomados e
experientes marqueteiros políticos do país.
Pesquisas
realizadas por outros institutos, alguns dias depois, confirmaram a fraude.
Segundo levantamento do Ipsos, publicado pelo jornal Valor Econômico, 20% da
população quer a permanência de Dilma e apenas 16% do interino, que é rejeitado
por 68% da população (a rejeição à Dilma caiu de 61% em março para 48% em
julho). A preferência por novas eleições chega a 52% (bem distante dos 3% da
Folha).
Mas o
estrago maior para a democracia foi realizado pela TV, tendo o Fantástico à
frente. Foram longos minutos dissecando didaticamente para o telespectador os
números da pesquisa numa ação de duplo efeito: diminuir a rejeição popular ao
governo interino e, por consequência, dar respaldo aos votos dos senadores
golpistas no processo de impeachment. A fraude no jornalismo acompanha a fraude
na política.
Fonte. REVISTA BRASIL ATUAL
Foto. GERALDO
MAGELA/LIA DE PAULA/AGÊNCIA SENADO
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