Como reduzir o número de partidos políticos?
O Brasil tem o congresso mais fragmentado do mundo,
com 35 legendas, das quais 13 com atuação relevante; alto número incentiva “Toma
lá da cá” e dificulta governabilidade
Por Thales Schmidt
“Pensamos em usar o
18,
pela maioridade penal que queremos mudar. 38, o calibre mais usado pela polícia
no Brasil. 64, pela revolução democrática. 88, número símbolo do infinito e do
ano da nossa Constituição; ou, ainda, o 99, o mais à direita possível”, conta o
deputado federal Capitão Augusto sobre os seus planos para criar o 36º partido
político brasileiro, o Partido Militar Brasileiro. Além da redução da
maioridade penal, são bandeiras do partido a pena de morte e a prisão perpétua.
Antes de se eleger, em
2014, com o Partido da República, José Augusto Rosa tentou uma vaga na Câmara
dos Deputados nas últimas três eleições, todas elas por partidos diferentes. Já
concorreu como candidato do PDT, PV e PSB. Tentou, também, uma vaga para a
Câmara de Vereadores de São Paulo, em 2012, também pelo PSB.
Capitão Augusto
circula pelo Congresso fardado, é um dos maiores defensores da ditadura
civil-militar (1964-1985), a quem chama de “revolução democrática” e afirma ter
sido necessária para “salvar o Brasil do comunismo”. As violações de direitos
humanos cometidas pelos militares, como tortura, morte e desaparecimento, são
consideradas “exceções” pelo congressista do PR.
O plano do Partido
Militar Brasileiro é estar pronto para as eleições presidenciais de 2018. “Não existe
nenhum partido de direita no Brasil. São todos filhos do bipartidarismo e não
há nenhum representante da ARENA”, afirma Capitão Augusto, referindo-se a
Aliança Renovadora Nacional, partido político brasileiro criado em 1965 com a
finalidade de dar sustentação política ao governo militar.
A legislação brasileira determina
que, para se criar um partido político, o primeiro passo é conseguir a
assinatura de 101 fundadores (distribuídos em pelo menos nove Estados),
estabelecer um programa e um estatuto. Vencida essa etapa, começa a coleta de
assinaturas. São necessárias 484.169 assinaturas, divididas em, no mínimo, nove
Estados − essas assinaturas devem representar pelo menos 0,1% do eleitorado de
cada Estado. O número de assinaturas necessárias é definido como 0,5% dos votos
da última eleição para a Câmara dos Deputados, sem os brancos e os nulos.
Após mais algumas etapas burocráticas, como a constituição de diretórios e o
registro nos Tribunais Regionais Eleitorais, o novo partido estará pronto para
as urnas.
Hoje, temos 35 partidos políticos registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e prontos para
disputar eleições. Todos eles têm direito aos recursos do fundo partidário e ao
acesso gratuito ao rádio e à televisão, mesmo se não tiverem candidatos
eleitos. O fundo partidário é formado por verbas do governo federal, multas
aplicadas pelo TSE e doações de pessoas físicas e jurídicas. 95% de seus
recursos são divididos de acordo com a quantidade de votos que cada partido
obteve para a Câmara de Deputados nas últimas eleições, já os outros 5% são
distribuídos de forma igual entre todos os partidos.
“Pode parecer ser
pouco, mas convenhamos, uma cúpula partidária, que se resume a poucos
‘caciques’ receber cerca de 1 milhão de reais (anuais) não é desprezível”,
afirma Maurício Michel Rebello, professor da Universidade Federal da Fronteira
Sul. Em 2015, foram distribuídos R$ 811,28 milhões por meio do fundo
partidário. A maior fatia desse bolo ficou com o PT, com R$ 108,6 milhões
recebidos. O Partido da Mulher Brasileira, a mais nova legenda política
brasileira e que conseguiu seu registro no dia 29 de setembro de 2015, foi quem
menos recebeu, com R$ 289.744,65.
Quando definiu o Orçamento Geral da União de 2015, a então presidente
Dilma Rousseff propôs destinar R$ 289,5 milhões para o fundo partidário. Mas o
relator do projeto, o senador e ex-ministro do Planejamento Romero Jucá,
triplicou o teto do gasto para R$ 868 milhões. Dilma sancionou o Orçamento com
o aumento vindo do Senado.
Campeão mundial
O Brasil tem o
Congresso mais fragmentado entre diferentes partidos em todo mundo − segundo
estudo do Departamento de Ciência Política da UniversidadeTrinity, na
Irlanda.
O levantamento da
universidade irlandesa utiliza o conceito de partidos políticos efetivos. Por
meio de uma fórmula, criada pelos cientistas Markko Laakso e Rein Teegapera, é
possível calcular quantos partidos conseguem ter influência no cenário
político. Quanto maior o número, mais dividida é a política de um país – e, em
tese, mais necessários são ‘acordos’ entre partidos. O Brasil lidera o ranking
de 140 países analisados, com 13 partidos políticos efetivos – ou seja, que
conseguem influir nas decisões do nosso Legislativo.
Manuel
Alcántara Sáez, cientista político da Universidade de Salamanca e especialista
no sistema político da América Latina, acredita que a fragmentação política na
região está ligada ao personalismo na política dos países latinos, mas aponta
que o quadro não é homogêneo. “Nem todos os países latino-americanos têm uma
alta fragmentação partidária, é preciso distinguir o grau de não
institucionalização dos partidos. No geral, existem duas explicações para
explicar a alta fragmentação. Em primeiro lugar, razões institucionais
derivadas da lei eleitoral ou de incentivos pelo financiamento que recebem [no
caso do Brasil, o Fundo Partidário]. Em segundo lugar, existem motivos derivados
da ruptura na sociedade, os partidos representam a diferentes segmentos.” Para
Sáez, o caso brasileiro é “absolutamente disfuncional”.
Como diminuir o
número de partidos?
“Eu sou a favor de
uma reforma política que, na verdade, reduzisse o número de partidos políticos.
É uma posição antiga que eu tenho. Acho que um número mais reduzido de partidos
pode ajudar a própria democracia brasileira”, disse um ainda recatado
vice-presidente da República Michel Temer, em 2013 O hoje presidente
interino voltou a se posicionar de maneira favorável a diminuição dos partidos,
só que ainda como vice, em 2015, “até para aumentar a governabilidade”.
Com um número muito
alto de partidos, costurar acordos e construir uma base aliada sólida se torna
uma tarefa difícil. Michel Temer começou prometendo um “ministério de notáveis”
e a redução do número de pastas. Acabou sofrendo para acomodar todos os
partidos que o apoiam em ministérios e cargos – e não conseguiu a desejada
redução inicial.
Uma das maneiras de
diminuir a profusão de partidos políticos é a cláusula de barreira, também
conhecida como cláusula de desempenho. Ela limita o funcionamento das legendas
que não alcancem determinado percentual de votos. Pode determinar, por exemplo,
que partidos abaixo do percentual mínimo não tenham acesso a fundos públicos.
Apenas dois países da América Latina, Argentina e Bolívia, adotam uma cláusula
de barreira de um mínimo de 3% dos votos nas eleições para a Câmara dos
Deputados.
Uma
das maneiras de diminuir a profusão de partidos políticos O Brasil já teve
planos para adotar a cláusula de barreira. A “nota de corte” de 5% dos votos
foi aprovada pelo Congresso em 1995, para começar em valer nas eleições de
2006, mas foi considerada inconstitucional pelos ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF), no mesmo ano em que era para começar a ser aplicada.
A chamada
“minirreforma eleitoral”, a lei 13.165/2015, estabeleceu a diminuição do
período de campanha, o limite de gastos, entre outras medidas (leia
reportagem da Calle2 sobre o alto custo das campanhas políticas). Ela
também trouxe planos para limitar o acesso ao fundo partidário e ao tempo
gratuito de rádio e televisão. A cláusula de barreira seria o partido ter, no
mínimo, um deputado federal eleito. Essa limitação ainda está em discussão no
Senado.
“Atualmente, uma
reforma política que beneficiasse somente os partidos com mais de 5% das
cadeiras na Câmara, por exemplo, beneficiariam, certamente: PT, PMDB, PSDB. Já
PP, PSD, PSB e PR estariam envoltos em uma incerteza. O restante não votaria
algo no sentido de diminuir suas chances eleitorais”, afirma o professor
Maurício Michel Rebello.
Outro caminho para a
diminuir o número de partidos seria o fim das coligações nas eleições de
deputados federais, estaduais e vereadores. Com as coligações, os deputados menos votados
podem se eleger por meio de colegas de chapa que conseguem mais votos. É o caso
de Tiririca (PR-SP), com 1.016.796 votos, o deputado levou junto para Brasília
outros dois candidatos do seu partido: Capitão Augusto e Miguel Lombardi (veja
reportagem sobre o quociente
eleitoral).
Sem as coligações, o
quociente eleitoral – fórmula que determina o número mínimo de votos para ser
eleito para a Câmara – aumentaria porque os partidos precisariam acumular mais
votos para eleger um candidato. Legendas pequenas e com poucos nomes teriam
dificuldade em acumular o número de eleitores necessários para viabilizar um
candidato, o que fortaleceria os grandes partidos. “Em distritos eleitorais
menores, abaixo de 20, por exemplo, a chance de eleição de partidos nanicos
seria muito remota”, diz Rebello.
Thales Schmidt é jornalista/UNESP
Fonte. Calle2
Post a Comment